domingo, 27 de janeiro de 2019

A gala foi de emoção!

            Desde que o saudoso fadista cascalense Carlos Zel (1950-2002) deixou inesperadamente o nosso convívio, que o Casino Estoril, numa evocação do êxito que haviam sido as suas «Quartas de Fado», às quartas-feiras no espaço do wonder-bar, tem realizado anualmente uma Gala de Fado em sua homenagem.
            Foi a 17ª no passado dia 23.
            E se há palavras susceptíveis de caracterizar essa noite deveras inesquecível, com o Salão Preto e Prata a fazer o pleno, eu atrever-me-ia a escolher: emoção e profissionalismo.
            Após o jantar, às 22.40 horas, recordámos logo um dos primeiros fados do Zel, acentuados os versos – «as minhas mãos são tão puras… e manchá-las é pecado!»… –  pelo movimento sincronizado do ginasta a subir e a descer, num bailado, na brancura da longa tira de pano pendente.
            Sentado numa poltrona, no canto direito do palco, Ricardo Carriço ia lendo as introduções ao que se iria passar de seguida, a acentuar a relação que o fadista seguinte tivera com Carlos Zel. E os fadistas, emotivamente, um a um, não resistiram a evocar o que fora o seu encontro com o Zel, como ele os marcara, como a sua disponível afabilidade os tocara qual dedo de um invisível ET…
            Foi, de facto, mui difícil esconder a emoção.
            Ricardo Ribeiro, por exemplo: quanto o homenageado o apoiara sempre.
            Kátia Guerreiro, num daqueles momentos em que ainda a Medicina era a sua principal preocupação, mas já a alma fadista lhe sorria, estivera com o Zel. E contou como foi. «Já sofreste bastante para quereres cantar o fado?». «O quê? É preciso sofrer para cantar?». Zel disse-lhe que experimentasse. «Foi Deus», de Alberto Janes – escolheu Kátia. No fim, Zel fez-lhe uma carícia: «Valeu a pena!».
            Foi assim. Esta, a atmosfera. Este, o objectivo conseguido – que, um destes dias, o telespectador da RTP 1 terá oportunidade de verificar como foi. Uma ternura a pairar pelo salão. A voz quente, quase embargada, de Kátia Guerreiro. A voz poderosa do Ricardo Ribeiro, que deu oportunidade a José Manuel Neto de mostrar o seu gigantesco virtuosismo no incomparável dedilhar da guitarra portuguesa e a Carlos Manuel Proença, na viola de fado, também em solo e depois bem acompanhado por Daniel Pinto (na viola baixo). Profissionalismo ímpar! No painel de fundo, sempre a olhar-nos, naquela sua atitude pausada e serena, a figura de Carlos Zel…
            Inesquecível, a noite, não há dúvida. Abrilhantada por estrelas da geração do Zel e que são hoje nomes grandes, como ele foi, nesta saga tão nossa!
            Começou Gisela João. Vestido preto curto. «Somos dois gritos calados». Lábios pintados. Cabelos em leve desalinho. «O Senhor Extraterrestre», a criação do não menos saudoso Carlos Paião para Amália Rodrigues e a que Gisela emprestou mui impressionante roupagem. «O meu Amigo está longe» – numa voz bem dolorosa…
            Veio Ricardo Ribeiro, cachecol carmesim caído. «Destino Marcado»: «Prefiro ser sempre triste para não morrer de alegria». «Meu amor, não vale a pena teres dó do meu coração». «Não tenham medo da fama / De Alfama mal afamada / A fama às vezes difama / Gente boa, gente honrada» – foi o 3º fado, aquele em que houve oportunidade para os músicos mostrarem a sua enorme garra de artistas.
            De longo vestido verde, Fábia Rebordão substituiu Cuca Roseta, que arreliadora gripe impediu de estar presente. A sua criação: «Pergunta a quem quiseres / Ao vento, à madrugada». Depois, dois fados tradicionais: «Foi Deus» e «Limão».
            O Hélder Moutinho mais pequenino pareceu depois da alta Fábia Rebordão. «À mercê dum vento brando, bailam rosas nos vergéis, e as marias vão bailando»; «Eu nasci na Mouraria / Num prédio que resistia / Ao progresso que o venceu»;  «Volta Atrás Vida Vivida”, de Manuel de Almeida, que foi, na verdade, ele também, uma referência para Carlos Zel (ai, as noites no Forte Dom Rodrigo, em Birre!...). Aqui, mais uma vez, mostrou José Manuel Neto como se faz cantar a guitarra!...
            Ana Sofia Varela, de longa túnica azul escura. «Nossa Senhora do Fado», de Carlos Zel: «Quando a noite se avizinha. E aceito que alguém me ajude. Vou rezar à capelinha. Da Senhora da Saúde…)». O segundo fado, de Fernando Maurício: «Aqui, em cada fado, há uma flor. No canteiro da alma de quem canta». O terceiro, «Ó meu amor não te atrases»: «Esta noite é Lua Nova / E tu não sabes de fases»…
            Rão Kyao evocou o que fora a sua actividade juntamente com o homenageado e interpretou à flauta, com o estilo ímpar que se lhe reconhece, três fados que já gravou com vários artistas, entre os quais um que muito lhe dizia a ele e a Carlos Zel: «Deus também gosta de fado», de Nuno de Aguiar, uma das referências igualmente do fado em Cascais na década de 60.
            Kátia Guerreiro: longo vestido escuro cingido à cintura por cinto prateado, braços nus. Começou por um fado menor, tão do agrado do Zel: "Tenho uma tristeza velha. Tão velha que não sei bem...". Depois, «Tenho uma rosa vermelha». A terminar: «Amor de mel, amor de fel».
            Jorge Fernando, que muito acompanhou Zel, encerrou o desfile de estrelas. Primeiro, «A valsa dos amantes»: «Faz tempo que te não via e, hoje, ao ver-te pensei: estás mudada, estou mudado». Depois, «Quem vai ao fado, meu amor», de Ana Moura. De seguida: «Pode ser saudade» – ‘esta emoção de estar aqui’. A letra a condizer bem com o que, afinal, ele e muitos de nós sentíamos… Finalmente, o sublime «Chuva» com que Marisa tão brilhantemente nos cala na alma, aqui escolhido por Jorge Fernando para fechar com chave de ouro os nossos sentimentos a encerrar a gala, chegadinhos à uma da madrugada, o tempo voara:
                        As coisas vulgares que há na vida
                        Não deixam saudades
                        Só as lembranças que doem
                        Ou fazem sorrir…
                        Há gente que fica na história
                        da história da gente…
            Foi assim. Carlos Zel, uma lembrança que dói. E ficou na história da história de quantos tiveram a dita de o conhecer!

                                                                       José d’Encarnação

Publicado em Cyberjornal,  26-01-2019 :
http://www.cyberjornal.net/cultura/cultura/musica/a-gala-foi-de-emocao~
Fotos gentilmente cedidas pelo Gabinete de Comunicação da Estoril-Sol.

                                                                      

Eu quero um abraço!

             – Eu quero um abraço! Não se vão embora!
            O pano acabara de correr sob os fartos aplausos que, mui calorosamente, a sala, repleta, tributara aos actores. Começara-se a comentar o espectáculo, enquanto se abotoavam os casacos e se ajeitavam os cachecóis.
            – Eu quero um abraço! Não se vão embora!
            Fora uma das actrizes que assim gritava, entreabrindo a porta que dava para os camarins.
            De facto, ninguém estava com vontade de se ir embora, sem abraçar quantos, essa noite, ali – corajosamente e com imensa alegria – haviam mostrado o resultado de muitos serões roubados ao calor da família, para presentearem a aldeia com a sua vontade de mostrar que a vida não é só labuta de manhã até à noite, num frenesim, e tem de haver espaço para o entretenimento.
            Foi, na noite do passado dia 19, sábado, a antestreia da revista «Olha os Tomates Madurinhos», de António Chapirrau, levada à cena pelo Grupo de Teatro Amador do Grupo Desportivo do Zambujeiro.
            Entretenimento? Sim! A revista é mesmo isso: a saborosa crítica do quotidiano local e político vai sendo entremeada com as canções, designadamente o fado, sempre bem-vindo e apreciado.
            Quando anunciei a realização do espectáculo, cujo título sugere a existência de tomates madurinhos, dei a entender que, estando o Zambujeiro em plena zona saloia de Cascais, se trataria, obviamente, de uma evocação dos tempos – pelas décadas de 40 e 50 – em que os saloios dessas terras debandavam a praça de Cascais para aí venderem os seus «ecológicos» produtos hortícolas (dir-se-ia hoje). Uma das cenas, a da venda de legumes, mostra, na verdade, a riqueza das hortas locais; contudo, está bem de ver, o segundo sentido é mesmo o rei da revista e grelo é grelo que se mostra, sim, fresquinho, mas outro grelo, outro tomate há, escondido… e a malícia fica instalada!
            Dez números em cada parte (a que tem de se acrescentar o solilóquio, em pretenso telefonema do encenador, quase no final) constituem pretexto para boa gargalhada, sempre! A consulta médica, o recurso à Internet (a «nete»…), a paródia aos vencedores dos euromilhões, a mui feliz comparação do tanque de lavar roupa comunitário da aldeia com o que hoje se lê no Facebook (não havia o Facebook mas havia o Facetanke!…) – são retratos humorísticos de engraçados instantâneos do nosso quotidiano.
            No final, o hino, digamos assim, a proclamar que é a revista herdeira de muito nobres tradições teatrais de Portugal e que este Grupo de Teatro Amador está determinado a prosseguir nessa caminhada.
            Um espectáculo a ver!
            Estão previstos espectáculos até 31 de Março, com o seguinte calendário:
           09/02 às 21h30, 16/02 às 21h30, 17/02 às 17h00, 09/03 às 21h30, 10/03 às 17h00, 16/03 às 21h30, 17/03 às 17h00, e o último no dia 31/03 às 17h00.
         No elenco, desdobrando-se nos mais diversos personagens, sempre com guarda-roupa a condizer e adequados cenários e adereços: Beatriz Dorropio, Carlos Rodrigues, Filipe Santos, Isabel Silva, Joana Lopes, José Reboca Santos, Maria João Santos, Rita Veloso, Rosa Rodrigues e Susana Cupido. José Sobral encarregou-se da luz e do som; Carlos Rodrigues foi também o contra-regra; Filipa Martins com José Reboca Santos garantiram a assistência de palco, a caracterização esteve a cargo de Ana Sobral.
            No final, António Chapirrau fez os agradecimentos – aos actores, à Direcção da colectividade e ao público. Hugo Sobral, presidente da Direcção do Grupo, louvou a iniciativa e distribuiu ramos de flores aos elementos femininos do elenco e lembranças aos homens.
            Para todos, o maior aplauso! E que nunca esmoreçam, Amigos!

                                                           José d’Encarnação

Publicado em Cyberjornal,  26-01-2019 :                                                                           

sábado, 26 de janeiro de 2019

Ajudar seniores a serem mais felizes

             Uma das primordiais tarefas dos Centros de Dia consiste na possibilidade de, através de monitores ou voluntários, os seniores que os frequentam passarem os seus dias com a maior carga possível de bem-estar. Trata-se de um labor que implica, naturalmente, o empenho de toda a equipa, em sintonia plena. E se há, num Centro de Dia, alguém com importância maior esse alguém é – não haja dúvidas! – o utente, o merecedor de todas as atenções.
            Bem-vindas são, por conseguinte, todas as iniciativas que ajudem a tornar o dia mais breve, porque, estando ocupados, os utentes acabam por imaginar que, afinal, o tempo voa e é escasso!... Jogos, oficinas de artes plásticas, o grupo coral, o teatro, a dança são, pois, encarados como elementos imprescindíveis num Centro de Dia e mal andaremos se não houver da parte dos responsáveis abertura bastante para que tudo isso possa, de facto, acontecer, assim haja quem tenha disponibilidade e saber.
            Actividades várias se desenvolvem no Centro de Convívio do Bairro do Rosário. Recordo de ter lá visto, há três anos (se não erro), uma revista, levada à cena pelo dinamismo de António Chapirrau, que, devido às dificuldades, rumou para o Zambujeiro, em cuja colectividade local continua um trabalho para que se sente particularmente vocacionado e que muito gosta de fazer. Aí estreia no sábado, 19, a revista de sua autoria «Olha os Tomates Madurinhos!».
            Teresa Meira (mtvomeira@gmail.com)  – como, por diversas vezes, já aqui se salientou – pôs em prática, por seu turno, através da sua Line Dance, uma forma de levar os seniores a interessarem-se pela dança. Não uma dança qualquer, vistosa, mas o ritmo sereno do movimento pautado pela música. O objectivo é, de facto, alcançar-se assim, com facilidade e algum prazer, o fim almejado: pôr o sénior a mexer-se em conjunto com os demais, na graciosidade possível.
            Depois de ter estado, por exemplo, no Centro Álvaro de Sousa (Monte Estoril), levou a sua experiência, em regime de voluntariado, ao referido Centro do Bairro do Rosário. Pode ver-se o resultado alcançado o ano passado no vídeo que divulgou no youtube: https://www.youtube.com/watch?v=bZYJhw4qOfo
            Contudo, o desinteresse que ali se registou em torno das actividades desempenhadas pelos utentes acabaria por determinar o seu abandono. Está agora, a partir deste mês de Janeiro, de armas e bagagens – e também com grande parte dos sócios do Bº do Rosário – na Sociedade Recreativa e Musical Alvidense.
            Mais uma fase em que vai aplicar todo o entusiasmo que lhe conhecemos. Damos os parabéns aos dirigentes da colectividade por a terem acolhido. E estou certo de que, no final, se considerarão inteiramente reconhecidos e gratificados pelo acolhimento dado a Teresa Meira.

                                                                 José d’Encarnação

Publicado em Cyberjornal, edição de 22-01-2019: http://www.cyberjornal.net/saude-e-solidariedade/saude-e-solidariedade/solidariedade/ajudar-seniores-a-serem-mais-felizes

quarta-feira, 23 de janeiro de 2019

Fonte portalegrense em Cascais

            Como vem sendo habitual, a Sociedade Propaganda de Cascais dedicou a sua mensagem de Natal a um monumento de Cascais: a fonte instalada no Jardim Visconde da Luz, em pleno coração da vila.
            Foi um dos membros da Sociedade Propaganda de Cascais que a encontrou, desmontada, num estaleiro, à venda pela importância de 500 escudos. Achou curioso e pensou na possibilidade de essa fonte vir a ser incorporada numa das praças de Cascais. Fizeram-se as diligências necessárias que viriam a culminar, em Novembro de 1984, na integração da fonte onde hoje se encontra.
            Tem a fonte uma legenda em latim: foi erigida em 1623, quando reinava em Portugal Filipe III de Espanha, II de Portugal.
            Pensava-se em Portugal, nessa década de 20 do século XVII, que as promessas feitas por Filipe II nas Cortes de Tomar de 1580 ainda poderiam vir a ser cumpridas. Concretamente: que as duas coroas não estariam nunca unidas; que a língua oficial da zona portuguesa continuaria a ser o português; que os cargos mais importantes da nação seriam exercidos por fidalgos da nobreza de Portugal. Por isso também, como me escreveu Aurélio Bentes Bravo, erudito portalegrense a quem tive a honra de consultar, «a construção da fonte em honra de Filipe III, naquela época teria sido muito provavelmente pacífica e mesmo aclamada, como o foi aliás e muito, a anterior visita de Filipe II a Portalegre, em 1581».
            Será só tempos mais tarde que essa esperança se desvanecerá por completo.
            Pensara eu que, imediatamente após a restauração da independência, se teria querido destruir a fonte. Pode isso ter acontecido, porque toda a documentação relacionada com a dominação filipina foi naturalmente destruída, como gentilmente me confirmou o Doutor António Ventura, ele que é um portalegrense de alma e coração. O certo é que, como me relatou Aurélio Bravo, um documento espanhol de 1801 ainda referia que, entre as fontes de Portalegre, a melhor é «la de la Plaza de la Magdalena de figura piramidal, con acoplamento en la mitad del que se distribuyen ocho caños». E virá a ler-se, numa acta camarária de 1886, que a fonte «estava em deterioração quase completa, necessitando ser substituída», adiantando-se uma proposta de venda ao principal industrial da cidade, o inglês George Robinson, pela quantia de 80$000 réis. O industrial comprou-a e guardou-a desmontada no quintal do seu solar. «Em 1979, os herdeiros de George Robinson decidem propor à Câmara de Portalegre a sua compra, que não se realizou por ter considerado o preço excessivo. Acabaria por ser comprada por um particular (que parece que se dispunha a levá-la para fora do país) que depois a vendeu, como se sabe, à Câmara de Cascais, que felizmente obstou a que tal acontecesse», salientou Aurélio Bravo (informação que muito agradeço).
            Uma fonte portalegrense em Cascais! O cantar das suas bicas (nem todas em funcionamento) encantará quem porventura se disponha a estar uns momentos junto dela, em pausa de um apressado caminhar. Surpreendê-lo-á, porventura, o enigmático letreiro e o desenho de um castelo. Acontece, porém, que esse cantar e esse letreiro escondem, como se viu, uma história milenar!

                                                                                  José d’Encarnação

Publicado em Costa do Sol Jornal (Cascais), nº 265, 2019-01-23, p. 6.

domingo, 20 de janeiro de 2019

A importância de um papelinho com letras

              Certamente muitos se interrogam sobre que interesse há em guardar um papelucho com letras que foi distribuído por uma série de pessoas. Talvez também já tenhamos ouvido falar de quem encontrou gavetas cheias de fotografias e de papéis antigos, agarrou neles e tudo deitou fora, porque, na realidade, essa papelada nada lhe dizia. Velharias!...
            Felizmente que, hoje, as Câmaras Municipais estão atentas a esses espólios, que resultam, afinal de contas, extremamente valiosos para se reconstituir a história local. Creio haver, de facto, uma regra segundo a qual se preconiza que as entidades promotoras de uma iniciativa guardem em arquivo cópias de programas, panfletos, opúsculos, pequenos livros… que poderão servir, mais tarde, para se fazer a história dessa instituição. E os responsáveis pelos arquivos municipais estão agora já despertos para receberem e convenientemente catalogarem toda essa documentação que lhes é entregue, à primeira vista sem préstimo.
            Vêm estas considerações a propósito de um papel que me chegou através do nosso amigo e patrício Vitor Barros, que, por sua vez, o ‘roubara’ de Correia Martins, o qual, por seu turno, o apanhara perdido numa página no Facebook!... Vai servir-nos esse documento (que se reproduz) para falarmos do que lá está escrito.
            Uma forma de chamar a atenção para essa necessidade de se preservarem estes testemunhos, de não se deitarem fora velhos recheios de velhas gavetas…
            Queremos analisar com cuidado e atenção o que está escrito neste programa de 7 de Março de 1945, referente a uma sessão no São Braz Cine, marcada para as «8 e meia da noite» – e até esta maneira de indicar as horas não deixa de ter graça!
            Nada há, pois, a desperdiçar. E também nesse aspecto, «Notícias de S. Brás» tem sido excelente repositório de memórias, de tal modo que pode afirmar-se não ser possível fazer uma história de São Brás de Alportel sem recorrer ao que, ao longo dos meses, vem sendo escrito neste nosso jornal, porque o seu director tem a consciência clara da importância desses escritos sobre a vida local, que lhe vão mandando os colaboradores.
      
                                                                     José d’Encarnação

Publicado em Noticias de S. Braz [S. Brás de Alportel] nº 266, 20-01-2019, p. 13.                                                 

Patrimoniices cascalenses 25

Ora então descubra lá
Onde é que isto está!

A resposta
                                                             Uma máscara de pedra em Janes

            Esta ‘máscara’, chamemos-lhe assim, está encastrada num pilar da entrada da Sociedade de Instrução e Recreio de Janes e Malveira.
            Segundo me informou o Sr. Lino Rodrigo, um «janiense» de alma e coração que muito se tem interessado pelos costumes locais, é obra de um canteiro algarvio.
            Creio que virei a ter oportunidade de saber algo mais sobre a data e a intenção com que ali foi colocada a escultura. Direi, em todo o caso, que, inclusive por influência de Lino Rodrigo, a colectividade de Janes muito tem prezado a salvaguarda das tradições locais, recuperando, inclusive, objectos da vida quotidiana que, por terem entrado em desuso, corriam sério risco de virem a perder-se.
            Não foi, pois, sem razão que, no âmbito da grande exposição «Um Olhar sobre Cascais através do Seu Património», levada a efeito pela Associação Cultural de Cascais em colaboração com o Município, no último trimestre de 1989, aí se instalou – no chamado «Museu de Ioanes»! – um dos núcleos dessa exposição, concretamente o que se referia ao mundo rural.
            Recorde-se que dessa exposição se publicaram três volumes de catálogo.

                                                                       José d’Encarnação

terça-feira, 15 de janeiro de 2019

Os nomes das ruas

            Recordo, com frequência, a situação de alguma desorientação que tive numa cidade espanhola. Não encontrava determinada rua no mapa. Cheguei a um café, que se situava ao lado de uma igreja, entrei e perguntei ao senhor, para mais facilmente me orientar na pesquisa, como se chamava aquela igreja. O senhor, pareceu-me dos empregados mais antigos do café, desconhecia por completo como é que a igreja se identificava.
            Também acontece que alguém, ao perguntar por uma rua, verifique que o seu interlocutor, morador do bairro, não saiba responder. É mesmo capaz de garantir que nunca em tal ouvira falar!
            Faz-me pena. Todas estas situações revelam quanto se vive apressadamente, se não tem atenção à realidade circundante e, claro, também não se tem em conta o significado último do nome dado a uma rua.
            A este propósito, permita-se-me que transcreva uma passagem do sempre benquisto livro de João Lourenço Roque, Diversões Interiores. No II volume, publicado em 2017, diz o seguinte:
            «Todas ou quase todas as aldeias da freguesia de Sarzedas passaram a ter os nomes das ruas assinalados em sugestivas placas toponímicas, facilitando a vida aos carteiros e aos turistas, ávidos de mundos perdidos, e libertando do esquecimento singelas e fundas heranças culturais. Em geral, optou-se por nomes antigos, que corriam de geração em geração» (p. 177).
            Adiante, João Lourenço Roque, depois de criticar as malfadadas repetições, sugere que as comissões de toponímia poderiam também ser «mais criativas e originais, perpetuando figuras humanas muito populares e importantes na identificação local e na memória colectiva».
Dois nomes da mesma rua
       É verdade. De um lado, afigura-se-me importante que se mantenham as tradições, as designações antigas, muitas delas até patentes nas escrituras dos imóveis; mas, por outro, não é preciso ser uma personagem ilustre ou muito ilustre a nível nacional, pois há singelas figuras locais, típicas ou beneméritas, que merecem ter o seu nome impresso numa placa toponímica.
       As designações das ruas constituem também uma forma de perpetuar a memória de quem, denodadamente, procurou trabalhar em prol do bem comum. 
                                                        José d’Encarnação
 
Publicado em Renascimento (Mangualde), nº 746, 15-01-2019, p. 11.

sexta-feira, 11 de janeiro de 2019

Tutor do bairro - um projecto ímpar em Cascais

              Desde há vários anos que a empresa municipal Cascais Ambiente conta com o apoio do Tutor do Bairro.
            Trata-se de uma personalidade que, em regime de voluntariado, procura zelar pelas questões ambientais da sua área de residência, quer sendo interlocutor privilegiado entre os moradores e as instâncias superiores em assuntos dessa área, quer veiculando para o Município ou para a Cascais Ambiente ou outras entidades as ocorrências que merecem particular atenção.
         Há reuniões periódicas dos órgãos responsáveis da Cascais Ambiente com os tutores, nomeadamente por ocasião da chamara Greenfest, que se realizou, o ano passado, a 11 de Outubro, no Palácio de Congressos do Estoril, e a esse encontro se refere a fotografia anexa. A menina em destaque ao centro, obsequiada com um ramo de flores, é a Dra. Rita Moreira, que tem a seu cargo precisamente o relacionamento com os tutores e que foi, na ocasião, homenageada, pelo seu dinamismo e permanente disponibilidade.
           É um programa que está a correr bem e em que o Município de Cascais foi pioneiro. A possibilidade de o munícipe colaborar no bem-estar dos seus concidadãos constitui, no caso vertente, um excelente meio de exercer cidadania.
             De um modo geral, pelo que nos é dado saber, o esquema de actividade preconizado dá bons resultados, ainda que – como se figura natural – maior atenção dada ao tutor, nomeadamente informando-o das alterações previstas no ‘seu’ território, como a abertura de uma nova via, a colocação de ecopontos, o ajardinamento de uma zona abandonada, que seguimento teve uma anotação feita… pudessem ser alvo de uma prévia auscultação ou mero contacto com o tutor, a fim de que também ele pudesse prestar essa informação aos seus vizinhos. Custa ver que o contentor reservado ao papel no ecoponto está partido em cima e as chuvas empapam o seu conteúdo e… não se sabe por que razão não é reparado. Custa ver que um sinalizador da ocupação dos parques públicos geridos pela Mobi Cascais está avariado há meses… Por outro lado, ouvimos, de vez em quando, que o lixo separado nos ecopontos é depois agarrado às três pancadas e vai tudo a monte… Seria interessante que, a este propósito, a Cascais Ambiente viesse a terreiro e explicasse como faz.
            Enfim, ‘arestas’ que pouco a pouco poderão vir a ser boleadas, caso para tal haja o que sói chamar-se «vontade política».
  
                                                          José d’Encarnação

Publicado em Cyberjornal, 10-01-2019:

segunda-feira, 7 de janeiro de 2019

Espalhou-se felicidade pelo salão!

              Domingo, dia 6, Dia de Reis, celebrou-se, no Salão Preto e Prata do Casino Estoril, o Concerto de Ano Novo.
            Actuou a Orquestra Sinfónica de Cascais, dirigida, como é habitual, pelo maestro búlgaro Nikolay Lalov, que desde 1998 se encontra entre nós e cuja actividade em prol da divulgação e ensino da música clássica é deveras notável e superiormente reconhecida.
            Escrevi «celebrou-se», porque, na realidade, mais do que um concerto propriamente dito, o maestro, através das apresentações que ia fazendo a cada um dos trechos a executar, quis que se compreendesse o significado das suas escolhas para esse final de tarde de domingo. E o tema foi a felicidade nas mais variadas circunstâncias de vida, desde o namoro ao casamento, a vida em comum, os contratempos, os altos e baixos… Enfim, tudo aquilo que poderia consubstanciar, neste dealbar do ano, o que iriam ser as semanas e os meses por vir.
            Claro, fundamentalmente um concerto no qual as valsas e as polcas marcaram presença. Celebraram-se assim, por exemplo, os 200 anos do nascimento de Jacques Offenbach (1819-1880) e Franz von Suppé (1819-1895), de quem foram tocadas a abertura da ida de Orfeu aos infernos e a abertura da opereta Pique Dame, respectivamente.
            Ouvíramos, a abrir, a marcha triunfal da entrada dos gladiadores de Jules Fucik, mas foi o vienense Johan Strauss (1825-1899) o astro, de que ouvimos nada mais nada menos do que 6 peças! As suas valsas contagiaram em pleno o público que enchia literalmente o Salão Preto e Prata. Não só! Também se via no rosto dos músicos transbordante alegria, a juntar ao enorme profissionalismo de que deram provas!
            Afinal, não só o público e o maestro estavam radiantes; sentimos que os próprios músicos gostaram de estar connosco nessas quase duas horas que o espectáculo durou.
            Foi o Concerto de Natal uma iniciativa do Casino Estoril em parceria com a Câmara Municipal de Cascais (através da Fundação D. Luís I).
                                                                                              José d’Encarnação
Publicado em Cyberjornal, 07-01-2019:

sexta-feira, 4 de janeiro de 2019

3 notas de 20

             Amena, a cavaqueira em final de jantar de família. Saboreadas já as sobremesas, a rematar com os rituais goles de café. Nisto, o Tiago, de 6 aninhos, sorrateiramente, sai da cadeira e segreda-me ao ouvido:
            – Avô! Avô!... Tens 3 notas de 20 euros?
            – Não, não tenho; mas querias, era?
            – Sim, para comprar o camaleão!... Onde é que achas que eu posso arranjar?
            Uma paixão pelos animais; guarda caracóis numa caixa, leva marias-café para casa…
            Recebera eu, no dia anterior, o habitual postal de Boas Festas do Professor Jorge Paiva, do Departamento de Ciências da Vida da Universidade de Coimbra, um dos mais indefectíveis defensores da biodiversidade. E trazia duas fotografias de leoas. Panthera leo, de seu nome científico, explica a legenda, da subespécie melanochaita. Uma, tirada em Hlane (Suazilândia) a 2 de Julho de 2017, mostrava-a «atentamente em guarda»; na outra, colhida a 13 de Agosto de 1999, em Nakuru, no Quénia, refrescava-se a leoa «serenamente, no ramo de uma acácia»…
            Todos os anos, Jorge Paiva nos relembra a necessidade de se preservar a biodiversidade, porque o Homem surgiu «quando havia o máximo de Biodiversidade no Planeta Terrestre e numa região africana de elevada Biodiversidade».
            Aponta o «clamoroso» erro de se promover a extinção de muitas espécies, partindo-se do princípio de que não servem para nada, «pois constantemente se descobrem utilidades de seres que menosprezamos e até de seres venenosos e letais (ex. teixos e víboras».
            E as fotografias das leoas servem para alertar para a extinção desta espécie, que ainda existia na Europa, conforme relata Aristóteles, no século IV a. C. e que viria a desaparecer daqui durante o século II da nossa era. É que, na verdade, a referida subespécie só sobrevive actualmente na África Oriental e do Sul.
            Justifica-se, pois, plenamente o seu voto: «Que a época festiva do final do ano ilumine a consciência de todos nós, de modo a pressionarmos governantes e políticos a assumirem o compromisso de preservar a Biodiversidade».
            Afinal, tem inteira razão o meu neto: todos os animais se devem preservar e estimar, caracóis ou camaleões que sejam. Todos têm a sua utilidade!

                                                                       José d’Encarnação

Publicado em Renascimento (Mangualde), nº 745, 01-01-2019, p. 11.
 
Post-scriptum: Teve Jorge Paiva a gentileza de me enviar este comentário, que agradeci: «Muitos parabéns para o seu Neto. Darwin era assim em criança, o que aborrecia a família, pois tinham a casa sempre com carochas, caracóis, etc. FELICIDADES para o seu Neto».