sexta-feira, 4 de janeiro de 2019

3 notas de 20

             Amena, a cavaqueira em final de jantar de família. Saboreadas já as sobremesas, a rematar com os rituais goles de café. Nisto, o Tiago, de 6 aninhos, sorrateiramente, sai da cadeira e segreda-me ao ouvido:
            – Avô! Avô!... Tens 3 notas de 20 euros?
            – Não, não tenho; mas querias, era?
            – Sim, para comprar o camaleão!... Onde é que achas que eu posso arranjar?
            Uma paixão pelos animais; guarda caracóis numa caixa, leva marias-café para casa…
            Recebera eu, no dia anterior, o habitual postal de Boas Festas do Professor Jorge Paiva, do Departamento de Ciências da Vida da Universidade de Coimbra, um dos mais indefectíveis defensores da biodiversidade. E trazia duas fotografias de leoas. Panthera leo, de seu nome científico, explica a legenda, da subespécie melanochaita. Uma, tirada em Hlane (Suazilândia) a 2 de Julho de 2017, mostrava-a «atentamente em guarda»; na outra, colhida a 13 de Agosto de 1999, em Nakuru, no Quénia, refrescava-se a leoa «serenamente, no ramo de uma acácia»…
            Todos os anos, Jorge Paiva nos relembra a necessidade de se preservar a biodiversidade, porque o Homem surgiu «quando havia o máximo de Biodiversidade no Planeta Terrestre e numa região africana de elevada Biodiversidade».
            Aponta o «clamoroso» erro de se promover a extinção de muitas espécies, partindo-se do princípio de que não servem para nada, «pois constantemente se descobrem utilidades de seres que menosprezamos e até de seres venenosos e letais (ex. teixos e víboras».
            E as fotografias das leoas servem para alertar para a extinção desta espécie, que ainda existia na Europa, conforme relata Aristóteles, no século IV a. C. e que viria a desaparecer daqui durante o século II da nossa era. É que, na verdade, a referida subespécie só sobrevive actualmente na África Oriental e do Sul.
            Justifica-se, pois, plenamente o seu voto: «Que a época festiva do final do ano ilumine a consciência de todos nós, de modo a pressionarmos governantes e políticos a assumirem o compromisso de preservar a Biodiversidade».
            Afinal, tem inteira razão o meu neto: todos os animais se devem preservar e estimar, caracóis ou camaleões que sejam. Todos têm a sua utilidade!

                                                                       José d’Encarnação

Publicado em Renascimento (Mangualde), nº 745, 01-01-2019, p. 11.
 
Post-scriptum: Teve Jorge Paiva a gentileza de me enviar este comentário, que agradeci: «Muitos parabéns para o seu Neto. Darwin era assim em criança, o que aborrecia a família, pois tinham a casa sempre com carochas, caracóis, etc. FELICIDADES para o seu Neto».

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