sábado, 29 de setembro de 2012

Andarilhanças 55

Saber Geografia
            Pasmo quando, ao falar com um(a) operador(a) de centrais telefónicas de empresas implantadas a nível nacional, me perguntam, por exemplo, Cascais em que distrito fica? Ou me sugerem, como mais perto, a loja que está nas avenidas novas em Lisboa, quando sou capaz de ter uma num dos centros comerciais que pululam por este concelho…
            Compreende-se: a menina ou o menino estão, mui provavelmente, nos arredores do Porto, não têm acesso, no seu computador, a mapas hoje tão facilmente consultáveis…
            Em nota enviada à imprensa pela Divisão de Comunicação e Relações Publicas, a 6 de Julho, p. p., informou-se que o Senhor Presidente iria estar presente na inauguração da Unidade de Cuidados Continuados Maria José Nogueira Pinto. Para a localizar, seguindo certamente informação veiculada pelos serviços da Misericórdia de Lisboa, que pouco saberão de Cascais, escreveu-se que o empreendimento estava «na Aldeia do Juzo de S. Gabriel, na Rua Chesol, em Alcabideche»!...
            Era difícil cometer mais asneiras em frase tão curta!
A Unidade – que, por sinal, ao que consta, foi inaugurada mas não funciona – está localizada em plena freguesia de Cascais, onde foi a Standard Eléctrica, ou seja, no Mato Romão (como o Povo conhece a zona) ou em S. Gabriel (como foi chamado depois da instalação da fábrica, em homenagem, quiçá, ao arcanjo das comunicações…). A entrada faz-se pela Rua Chesol, já no Bairro da Chesol, que pertence à Aldeia de Juso.

«Já encontraste o teu amor?»
            14 de Setembro, sexta-feira, 12.15 horas. Carruagem quase vazia. A senhora inicia o telefonema logo após o comboio partir:
            – Então, já encontraste o teu amor?
            Assim. A matar!
           Ouvia-se perfeitamente a conversa toda. Claro, a do lado de cá. A do lado de lá imaginava-se. Drama sentimental de todo o tamanho. «Tu é que andas atrás dele!». Depois desta frase fiquei baralhado: pensara tratar-se de amor não correspondido por parte de um homem e, se calhar, era: ela teria sido trocada por um ele? Deste lado, frases de despeito, de incitamento a uma resolução que tardava, apesar das muitas juras de amor. Antes de Parede, já a conversa acabara. Abruptamente. Um drama mesmo!

«Serviços prestados»?
            Fui um dos que sofreram na bolsa com a ordem governamental de caçarem multas a todo o custo, nos 50 metros antes dos semáforos na subida de Cascais para o Monte. Cidadão comum não percebe porque há-de haver ali aquela limitação de velocidade, a não ser para, de vez em quando, se armar caça à multa.
Passou-me recibo o senhor agente. Recibo de «pagamento serviços prestados»! «Serviços prestados» uma ova! Multa é o que foi! A mim não me prestou serviço nenhum, a não ser o de me multar e esse ‘serviço’ bem o dispensava eu! Mas… se me prestou serviço, também vai descontar para a Segurança Social?

Direcção centro
            Ainda que mal pergunte: por que razão, em Cascais, na Rotunda Dr. Canas da Mota, se sugere a direcção do centro da vila pela Avenida Infante D. Henrique, quando seria mais directo descer a Joaquim Ereira? Ou poderiam indicar-se as duas alternativas, não?

Jornais em Cascais
Ao rever a minha colecção de números 1 é que me dei conta da quantidade de títulos de jornais em Cascais, nas últimas décadas.
O primeiro Jornal de Cascais, por exemplo, nasceu a 29 de Setembro de 1929 e foi seu director o Dr. Alberto Madureira; manteve-se em publicação até 1939. O 2º nasceu quase 40 anos depois, a 11 de Setembro de 1969, quando o seu proprietário, o Dr. Evaristo Farelo, teve um conflito com Rui Mendes, então director do jornal A Nossa Terra. Nuno Vasco, jornalista que também começou no A Nossa Terra, acompanhou-o e quando Evaristo Farelo, por não ter garantido a publicação durante um ano, perdeu legalmente o título, Nuno Vasco chamou-o a si bastante mais tarde: o seu primeiro número saiu com data de 1 a 15 de Dezembro de 1981. Esse foi, por conseguinte, o 3º Jornal de Cascais, que teve vida efémera. Tem, pois, entre mãos, amigo leitor, o 4º Jornal de Cascais!

O novo empreendimento trará reconciliação?
            Prosseguem, a ritmo lento, as obras de demolição do vetusto Hotel Atlântico, no Monte Estoril, cujas paredes ressumam histórias e tradição. Já vi maqueta do novo projecto que, a exemplo, das Três Parcas que lhe ficam a poente, vai ter nome pomposo: «Atlântico Estoril Residence», ora toma! Não fica no Estoril mas é como se ficasse. Garantem vozes autorizadas do Município que está prevista «a possível inclusão de uma rotunda em frente ao edifício», «com o objectivo de fazer fluir o trânsito da Marginal e facilitar as entradas e saídas para a nova unidade e também para o Monte Estoril». Não gosto muito do «possível», mas… será desta vez que os técnicos camarários optam pela reconciliação? É que, senhores, há muito que de Cascais se não pode ir até ao Monte, de carro, pela marginal! Uma vingançazinha para que o Monte não suplantasse Cascais?!... Mas isso foi polémica de casinos, meninos, já lá vai um século! Que temos nós a ver com isso agora? Vá lá, sejam coerentes!

Publicado em Jornal de Cascais, nº 322, 26.09.2012, p. 6.

 

 

 

quinta-feira, 27 de setembro de 2012

Convite em cortiça

            Numa altura em que, corações sangrando, almas esventradas perante o cenário a fumegar e a cinza a atapetar o chão e a alevantar-se triste soprada pela aragem… o convite do Senhor Presidente da Câmara para a Feira da Serra deste ano chegou, de novo, exemplarmente feito em cortiça.
            De um lado, encostas afora, o eco do choro pelos sobreirais queimados, perdidos para sempre – como se diz que o são as almas penadas no Além; do outro, um grito não menos lancinante, escrito com sangue mas com esperança: vamos renascer das cinzas e a tradicional Feira da Serra será mui excelente pretexto para tal!
            Parece profética a escolha do tema: o chapéu! Chapéu para aconchegar a cabeça, para a alindar e mostrar a personalidade de quem o usa... E brincou-se com o concurso de chapéus, tendo bem no íntimo a certeza de que um haveria, universal e irremediavelmente recusado: aquele, sinistro, negro, safado, que bem quadrava na cabeça de quem esteve na raiz do crime. Essa cabeça, ficou desde logo claro, dificilmente se encontraria. E o relatório elaborado por comissão de peritos (!) tudo contou (garantem…) tintim por tintim: como começou, como se combateu, como não se combateu, quantos homens, quantas viaturas, quantas casas, quantos hectares… Sim: quantos, quantos… No fumo intenso, porém, desapareceu a mão traiçoeira, o gesto sacrílego, o remorso inexistente…
            Todavia, houve um convite em cortiça que ficou: convite para a Feira e, sobretudo, convite para «Renascer das Cinzas»! Tem de ser!

[Publicado em Notícias de S. Braz (S. Brás de Alportel), nº 190, 20 de Setembro de 2012, p. 15].

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

Saudades de Luiz Goes

            Partiu o Luiz, no passado dia 18. Já de algumas largas semanas a esta parte que esperávamos o desenlace, pois que dificilmente resistiria à infame turquês da doença que o aprisionara.
E deixou-nos uma enorme saudade. Não apenas da sua voz potente, que proclamava como ninguém «É preciso acreditar!», que convocava o «irmão» para cantar, para dar as mãos, para lutar… Saudades da Pessoa (sim, com letra maiúscula) que sempre soube ser, amigo do seu amigo, companheiro indefectível, solidário, disponível.
Não mais o verei saltar da cadeira do restaurante aqui do bairro onde, de vez em quando, vinha almoçar. De braços abertos, avançava ao meu encontro para um forte abraço fraterno e jovial: «Como vais, rapaz? Que prazer ver-te!». Fomentava a Amizade, cimentava-a.
Nasceu em Coimbra (1933), em Coimbra se formou em Medicina Dentária (profissão que sempre exerceu), mas desde cedo demandou Lisboa e era um dos mais ilustres munícipes de Cascais. Aliás, atribuiu-lhe a Câmara Municipal a Medalha de Mérito Cultural; o TEC tem, no seu mural do Mirita Casimiro, a placa rósea com a sua assinatura, ali afixada por ocasião da comemoração dos seus 70 anos (5 de Janeiro de 2003), porque – tal Carlos Carranca, a cujo grupo pertencia –  o Luiz sempre fez a ponte entre Cascais e Coimbra, entre os antigos estudantes da Lusa Atenas que, como ele, se instalaram na capital e arredores. Carlos Carranca publicara, de resto, em 1998, uma biografia sua: Luiz Goes de Ontem e de Hoje.
Enquanto recordamos o Amigo, o Poeta, o Cantor, o Homem, não podemos, porém, deixar de verberar os tempos que estamos a viver. Morreu em Mafra o Luiz. Longe, pois, de todos os ambientes por onde fora semeando o seu génio. E porquê? Porque só em Mafra, depois de muito procurar, houve uma cama disponível para o receber! Mal vai, na verdade, o nosso Serviço Nacional de Saúde; mal vão as casas de cuidados continuados que se inauguram e não abrem ou, se abrem, têm preços incomportáveis para o bolso do cidadão normal.
Diligenciava-se para que a Luiz Goes fosse outorgada uma tença ou algo de semelhante, por parte da Secretaria de Estado da Cultura, atendendo aos brilhantes serviços prestados à Cultura Portuguesa (recorde-se que foi condecorado com o grau de Grande Oficial de Ordem do Infante Dom Henrique, teve a Medalha de Ouro da Cidade de Coimbra e foi galardoado, em 2005, com o Prémio Amália Rodrigues). Nada foi possível. E Luiz Goes não resistiu, à sombra do convento…
Houve missa de corpo presente, hoje, dia 19, em Coimbra, na Igreja de Santa Cruz que tantas vezes cantou e que tão prenhe está da tradição coimbrã. Repousarão os seus restos mortais no jazigo da família de Manuel Portugal, enquanto se espera que seja aceite a proposta de virem a repousar no Panteão Nacional de Santa Cruz.
Luiz, uma coisa tu bem sabes: não te esqueceremos! Descansa em paz, Amigo e Lutador!

Publicado na edição de 20 de Setembro de 2012 do Cyberjornal:

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Exposição de escultura dinamiza Cidadela

            Por iniciativa de uma das lojas sediadas no espaço comercial da Cidadela de Cascais, a Work.Ink, inaugurou-se no passado dia 13 uma exposição de peças escultóricas em pedra (mármore e basalto) e bronze, da autoria de Mathias Contzen, mostra que ali estará patente até 18 de Novembro.
Natural da Alemanha (1964), Mathias Contzen cursou Arquitectura na Academia de Belas Artes de Trier (1987), e está radicado em Cascais há 15 anos. O seu trabalho “Duas Bailarinas Seduzindo o Rei" foi galardoado, em 2002, com o prestigiado Prémio City Desk, outorgado pela Fundação D. Luís I, em colaboração com a City Desk.
Subordinada ao tema «My Pocket Universe», como se o artista quisesse pôr no bolso o Universo, dando largas à sua imaginação e convidando-nos a passear não apenas pela antiga praça de armas da Cidadela mas também por um dos corredores da nova pousada e, até, no cimo da escadaria que dá acesso ao caminho de ronda, a exposição integra 25 peças, de excelente confecção e mui agradáveis de se ver, perfeitamente enquadradas, aliás, na serenidade acolhedora da moldura arquitectónica envolvente.
            Bem simpático convívio num final de tarde como voltaram a ser os finais de tarde do bonançoso Setembro cascalense e não nos admiraria se el-rei abrisse sorrateiramente uma das janelas do seu palácio fronteiro para espreitar o que se passava!... Por volta das 19 horas, o conhecido saxofonista de jaze Mark Cain deliciou-nos com algumas das muitas músicas do seu repertório, que bem se adequava, portanto, ao evento que estávamos a viver.
O espaço da Cidadela revelou-se, pois, mais uma vez, extraordinariamente sugestivo para realizações deste tipo e bem será que os cascalenses depressa se reconciliem com um conjunto monumental que estavam habituados a ver como interdito.



Parabéns a Mathias Contzen! Felicidades para a Work.Ink.

Publicado no Cyberjornal, edição de 16-09-2012:

«Em que estás a pensar?»

            Certamente quem inventou o facebook, reflectiu muito antes de inserir no mural de cada um dos seus adeptos, logo à partida, quando a ele se acede, a pergunta «Em que estás a pensar?». Acredito que sim; duvido, porém, que essa questão nos tenha provocado já a reflexão que ela merece.
            De facto, no dia-a-dia, quando vemos alguém pensativo e lhe fazemos essa pergunta, o mais normal é recebermos como resposta: «Nada! Não estava a pensar em nada!». E das duas uma: ou estava a pensar em algo que não quer revelar; ou, de facto, nem consciente estava daquilo em que estava a pensar! E esse é um dos aspectos mais interessantes em que importa reflectir: somos senhores dos nossos pensamentos? Comandamos nós, a todo o momento ou com muita frequência, a nossa mente? O mais normal é respondermos que não – e se a pergunta do facebook contribuir para que, doravante, dominemos mais o nosso pensar será obviamente um bom serviço prestado.
            Não basta pensar: é preciso dominar o nosso pensamento e encaminhá-lo para aspectos positivos! Escreveu Emmet Fox (Le Sermon sur la Montagne, Paris, 1974, p. 78): «Nós escrevemos a história futura da nossa vida com os nossos pensamentos de hoje». E, por isso, sugere, mais adiante (p. 88): «Pensemos bem e tarde ou cedo tudo vai correr pelo melhor».
            Escusado será dizer quão importante é adestrarmo-nos nessa técnica quotidiana de «plantar orquídeas no jardim do pensamento», como sugere Joseph Murphy (La Prière Guérit, 10ª edição francesa, 1984, p. 102), em vez de nos demorarmos em ideias tenebrosas, do género de «Eu não sou capaz», «Tudo me corre mal», «Isto é uma desgraça pegada»… Se pensarmos sempre que não somos capazes, nunca seremos capazes mesmo!...
            O pensamento é, de resto, o único «sítio» onde só nós podemos entrar, ninguém mais! E podemos moldá-lo à nossa maneira, de uma forma sempre positiva. «Um eminente mestre oriental de Filosofia, andando pelas ruas de Londres, ao entardecer, viu um pedaço de corda e imaginou que era uma serpente; ficou transido de medo! Quando se apercebeu do engano, a imagem da corda provocou nele uma resposta emocional completamente diferente» – é ainda Joseph Murphy que o conta (p. 85).

Publicado no quinzenário Renascimento (Mangualde), nº 600, 15-09-2012. p. 4.

Noite e dia, sequência irreversível…

             Assim o Poeta: senta-se no seu colo, todos os sentidos bem despertos e… deixa-se inebriar de sons, da luz e da sombra, das gentes que seus dias cruzam.
            De dia, os olhos abertos; de noite, o reino do sonho a perlar de maravilhas a realidade mortífera.
            O Dia – A Noite – O Dia (Fólio Exemplar, Lisboa, Junho de 2012, ISBN: 978-989-8382-06-1), de António Salvado: 20 páginas, 24 instantâneos – pinceladas tersas de um quotidiano vivido.
            A noite, «insondável estreita porta aberta / que mal ultrapassada logo encerra» (p. 15) – e há espaços entre as palavras, para nós pararmos em reflexão. A Terra, este «singular planeta onde a morrer se nasce, onde a nascer se morre» (p. 16) – e é verdade! Noite para pensar no que sou: «o recôndito agraz húmus d’o tudo / que é o nada de um elo a que estou preso» (p. 17). Noite que se apresenta com «descanso merecido após horas e horas de dureza» e que poderia ser vista, afinal, como «a fonte da qual água corria / e a esp’rança se vestia de tom verde».
            Ultrapassa as quatro dezenas a obra poética do Dr. António Salvado, albicastrense dos quatro costados.
            O Dia – A Noite – O Dia constitui pausada meditação – a fim de, na mesinha de cabeceira, servir de embalo fecundo para a macieza da noite.

Publicado no semanário Gazeta do Interior [Castelo Branco], nº 1239, 12-09-2012. p. 14.

quinta-feira, 13 de setembro de 2012

Andarilhanças 54

Santos Manuel
            Deixou-nos a 29 de Julho. Para mim, será sempre a figura do eterno D. Quixote, de Yves Jamiaque, que tão bem incarnou em 1967. No palco e na vida real.
            Que descanse em paz!

«Flagrantes da vida real»
Vai entre aspas, porque é título consagrado nas Selecções do Reader’s Digest. Sempre me deliciaram. Estes não lhes chegam aos calcanhares; mas não é pecado imitar, tantos são os casos do dia-a-dia que nos tocam. Por exemplo:
Dois adolescentes, piscina do Tamariz.
            3 metros e 10. Meu pai consegue saltar e bater com os pés no fundo!
            Pai-herói. Oxalá assim se mantenha vida afora

Buzinadelas
            Cascais, 10 horas de 4-8-2012. Na passadeira da Marginal frente à estação dos correios, a senhora com grandes dificuldades de locomoção, resultantes, quiçá, de um AVC sofrido, ainda estava a meio quando o sinal vermelho caiu. Os dois condutores da frente não arrancaram enquanto a senhora não atingiu o passeio; um dos condutores da 2ª fila não perdeu, porém, a oportunidade de… buzinar! Assim, vai ter de certeza um AVC mais dia menos dia.

Fiartil
            Jantar na Fiartil a 17 de Agosto. Noite de fado com Ana Laíns, que cativou, em sugestivo cenário lusófono. Bastante público, Apesar de não se ter visto publicidade por aí, ficando-se com a ideia de que, afinal, só Festas do Mar e festival no hipódromo é que carecem de promoção (inclusive no rodapé dos e-mails camarários, imagine-se!... E as Festas do Mar mesmo bastantes dias depois de terem acabado!...), a Fiartil vale por si, mesmo que as instâncias oficiais a tratem como parente pobre.
            Tenho pena, obviamente, que já não seja do nosso artesanato. Mantiveram-se as louças do Redondo e S. Pedro do Corval, mas sem oleiros; os tapetes de Arraiolos, mas sem tecelãs. O resto, quase tudo, «artesanato» urbano. Outras mentalidades imperam, para quem o País é a Grande Lisboa e… ponto final!

Ar condicionado… condicionado!
            22 de Agosto de 2012, 17.45 h. Comboio de Cais-do-Sodré para Cascais. Três passageiras queixam-se ao revisor (que passou por alturas de Carcavelos). Não havia leque que abrandasse a caloraça que se sentia na carruagem. O revisor respondeu evasivamente, dando a entender que o ar condicionado estava avariado nessa carruagem. Uma das senhoras garantia: «Pois é, isto agora é dia sim, dia sim, sempre avariado». Alguém sugeriu ao lado ser essa a ordem superior: «Ar condicionado carruagem sim, carruagem não». «Pois é», retorquiu a passageira», «para poupança, tá visto! Nas nós é que pagamos o passe!».

Águas de Cascais
            Se se liga para as roturas, caso não haja uma rotura em acção que logo nos é explicada, é muito raro que alguém atenda antes de a chamada cair. Se se liga para o geral, dão-nos musiquinhas de xilofone e, de minuto a minuto, chega uma voz «A sua chamada encontra-se em fila de espera, se pretende aguardar, seleccione a tecla 1». Claro que vem logo também a hipótese de enviar mensagem por correio electrónico, etc... Na quinta-feira, 23 de Agosto, no começo da noite, estive um quarto de hora para ser atendido; mas… fui!

Ibiza, Miami
            10.45 h, 24-08-2012. Na piscina, os preliminares para o estender-se na espreguiçadeira para o acariciar quentinho do Sol. E dizia o senhor (vi depois que se dirigia a uma senhora, pois estava a ouvi-lo de baixo, enquanto nadava):
            – Tinha uma que comprei em Ibiza. Esta comprei-a em Miami… Material muito bom, muito bom.
            Ao sair da água, ainda tentei descobrir que preciosidade seria que Portugal não tinha. Não consegui.


 Publicado em Jornal de Cascais, nº 321, 12.09.2012, p. 6.

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

D. Bosco acolhido no Estoril

            Conforme o programado, escoltadas pelos Escuteiros do Estoril, as relíquias de S. João Bosco, o fundador da Obra Salesiana, foram acolhidas com vivas, às 11 horas de hoje, dia 11 de Setembro, em emotivo clima devoto e familiar, no pavilhão da Escola Salesiana do Estoril, completamente lotado.
            Insere-se esta ‘peregrinação’ pelas casas salesianas espalhadas pelos quatro cantos do Mundo nas comemorações do bicentenário do nascimento do santo pedagogo, que culminarão em 2015. Pretexto também para reflexão acerca do método preventivo e da educação da juventude para a alegria, em que não conta apenas o que se aprende na sala de aula, mas também – e de modo especial – através da saudável prática do desporto, das actividades teatrais e musicais, instrumentos que D. Bosco sempre preconizou para uma educação global.
            Na primeira fila da assistência: D. Joaquim Mendes, salesiano, bispo auxiliar de Lisboa; o Padre Artur Pereira, provincial; o Dr. Carlos Carreiras, presidente da Câmara Municipal de Cascais e antigo aluno da Escola do Estoril; os priores do Estoril e de Cascais, padres Ricardo Neves e Nuno Coelho, respectivamente; o presidente da Junta de Freguesia do Estoril, Luciano Mourão; e o director da Escola, Padre Delfim da Rocha Santos.
Depois do hino «Pai e Mestre dos jovens», entoado pelo coro Vozes do Mar, dirigido por António Ferreira, abriu a sessão de boas-vindas o Padre Jerónimo Rocha (que foi, aliás, o autor da totalidade dos temas das encenações apresentadas), que sublinhou, desde logo, a excelência da pedagogia iniciada pelo fundador dos Salesianos, e deu a palavra aos apresentadores da sessão, dois alunos do Ensino Secundário: Maria João Granadeiro e António Ribeiro.
O Padre Director, após as saudações protocolares, dirigiu-se a D. Bosco: «Vieste para o que é teu», «dos nossos corações ouvirás palavras de alegria, orações sentidas», «esta casa será sempre a nossa e a tua».
Bonita a encenação seguinte, intitulada «D. Bosco entre nós», numa bela evocação do mar, com coreografia de João Melo.
O Padre Tarcízio Morais, director pedagógico da Escola, evocou a figura de D. Bosco como «pedagogo de todos os tempos», apontando como meios da pedagogia salesiana a razão, a religião, a amabilidade, entre outras, sendo a alegria, a música, o teatro, num ambiente de família, meios para pôr em prática o lema do fundador: «Da mihi animas caetera tolle», «Dá-me almas; podes ficar com o resto!».
Carlos Carreiras começou por sublinhar a «profunda emoção» com que, em tão bonita circunstância de festa, voltava à Escola onde tanto aprendera. Cascais é um concelho «uno, justo e solidário», acentuou, «é o que é, porque soube integrar em si o legado de D. Bosco». Há lições que jamais esquecerá: a dar o seu melhor; a ser solidário; «a trabalhar em equipa e a não deixar ninguém para trás»; «o significado do perdão», «a força da reconciliação»… «Não há comunidade sem religião e sem esperança; por isso, os Salesianos continuam a fazer a diferença». Referiu «o enorme privilégio» que constituía para si, «como homem e como político», reconhecer «o lugar da fé nas nossas vidas». E concluiu com «duas palavras» apenas: «Muito obrigado!».
Seguiu-se nova encanação, subordinada ao tema «D. Bosco e os jovens de hoje», da autoria das professoras Ana Paula e Paula Cristina, a retratar instantâneos do quotidiano juvenil: as brigas, a partilha, os miúdos conflitos de uma convivência…
Encerrou a série de discursos o Padre Provincial, que anunciou a programação prevista para estes anos de comemorações mundiais, na reflexão amadurecida sobre o testemunho de S. João Bosco, mormente no âmbito educativo. «O grande desafio que nos espera», disse, «é evangelizar a Cultura».
A Ave-Maria de Bach/Gounod, cantada pelas Vozes do Mar, foi depois o fundo musical de mais uma cativante encenação a evocar D. Bosco como «sonhador de todos os tempos».
À hora prevista, 12.15 h., foi encerrada esta sessão solene, com o hino «D. Bosco amigo dos jovens».
As relíquias do santo seguiram em procissão para a capela da Escola, onde o programa prevê diversas actividades e cerimónias até depois da meia-noite e na manhã de amanhã, quarta-feira, dia 12; formar-se-á, pelas 12.30 horas, o cortejo de despedida. As relíquias seguirão para o Externato Nossa Senhora do Rosário, em Cascais, onde permanecerão até ao dia seguinte, 13, sendo recebidas, pelas 9 horas, na igreja de Nossa Senhora Auxiliadora, em Bicesse, começo de intensa jornada que culminará, pelas 21 horas, com uma procissão na Escola Salesiana de Manique.
 
Publicado na edição de 2012-09-12, de Cyberjornal:

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

No Centenário da República (1910-2010) – Saneamento e Reintegração

             Numa edição de Casa da Cultura António Bentes, São Brás de Alportel, veio a lume, com data de Abril de 2012 e ISBN: 978-989-95726-5-2, o livro No Centenário da República (1910-2010) – Saneamento e Reintegração.
            Aí se apresenta, fruto de acurada investigação histórica sobre dois casos, um arguto e revelador estudo sobre o fenómeno do saneamento político.
            No âmbito dos muitos estudos inspirados no centenário da implantação da República, a autora, Aurora Martins Madaleno, lembrou-se de analisar o processo de saneamento e reintegração de duas personalidades em duas épocas distintas da história portuguesa; distintas no tempo, comparáveis nas atitudes.

Bernardino Machado
            Sem dúvida singular, a história de Bernardino Machado (Rio de Janeiro, 28.3.1851 – Porto, 24.4.1944). Dinâmico político, serviu o Partido Regenerador durante a Monarquia, ocupou diversas pastas ministeriais na I República, tendo sido eleito, por dois períodos, presidente da República: de 6-8-1915 a 8-12-1917 e de 11-12-1925 a 31-5-1926. Exilaram-no as gentes do Estado Novo e foi oficialmente exonerado do lugar de catedrático de Philosophia Natural da Universidade de Coimbra (Faculdade de Philosophia), por despacho publicado a 27.4.1931.[1]
            Fiel aos princípios por que a revolução de 25 de Abril se norteara, a governação chamou a si esses processos de saneamento do Estado Novo, nomeadamente os de figuras de notável valor cívico e cultural que o regime saído do 28 de Maio de 1926 decidira aniquilar, por não se pautarem com as suas ideologias. Um dos processos revistos foi o de Bernardino Machado. Assim, por despacho de 4.10.1983, o Ministro da Educação José Augusto Seabra determinou, «ouvido o Reitor da Universidade de Coimbra», que Bernardino Machado fosse reintegrado, a título póstumo, «no lugar e com a situação que detinha no momento da sua exoneração», acto que se considerou «de elementar justiça», pois também ele prestara «à Pátria e ao Estado Português um contributo de alto relevo cívico, na luta pela liberdade e pela democracia» (p. 15).
            Teve eco público essa reintegração, cujo elevado significado simbólico foi devidamente realçado, por exemplo, quer pela Câmara Municipal de Famalicão, que havia encetado diligências nesse sentido (veja-se local do Jornal de Notícias de 25-07-1983), quer pelo próprio Jornal de Notícias de 5-10-1983, que abre notícia, em grandes parangonas, na 1ª página. Curiosamente, porém, a nível universitário parece que não terá havido especial reacção, pois que nomeadamente as actas dos órgãos académicos tanto da Faculdade de Ciências como da de Letras de Coimbra dessa altura nada assinalam a esse propósito.[2]
             Permita-se-me que, a talhe de foice, teça dois comentários ao que foi escrito.
            1º) Bernardino Machado procurou desenvolver, pioneiramente, a sericicultura, o fabrico de seda natural a partir da criação de bichos-da-seda, retomando uma política que já vinha do tempo do Marquês de Pombal, que apoiou, por exemplo, a criação da Real Fábrica das Sedas do Rato (Alvará de 6 de Agosto de 1757). Trata-se de uma actividade produtiva nem sempre tida em conta para a economia do País e que passou por muitos altos e baixos. Assim, no âmbito do interesse pela recuperação do património local, lançou a Câmara Municipal de Macedo de Cavaleiros, na década de 90, o programa «Os Caminhos da Seda», que incluiu o projecto do Centro Interpretativo do Real Filatório, destinado – com uma exposição sobre a história do complexo e da sericicultura na região, assim como do espólio recolhido nas intervenções arqueológicas realizadas no local – a servir de apoio na visita às ruínas do que fora o Real Filatório de Chacim, nascido no reinado de D. Maria I, por ser essa zona do País particularmente adequada à plantação de amoreiras. No Centro se previa o funcionamento do Núcleo de Estudos Sericícolas, «pólo de investigação sobre a história da sericicultura na região, com um centro de documentação e bibliografia».[3]
            2º) Do percurso académico de Bernardino Machado se escreve, na pág. 8, que obteve «a lente de catedrático de Filosofia em 1879». Trata-se de um lapso de escrita ao correr da pena, porque a autora, noutro livro publicado pela mesma altura, ao explicar o que é um professor catedrático, escreve claramente: «É o chamado Lente da Universidade»;[4] contudo, se o refiro é não apenas para o explicitar mas também para, a esse propósito, lançar luz (outros já também o fizeram, é certo, e com muita pertinência) sobre a polémica gerada pela afirmação de Dilma Roussef, a 31 de Outubro de 2010: fora eleita… presidenta do Brasil, versão que, um tanto incompreensivelmente, também José Saramago apoiou! Na sua origem, como é sobejamente conhecido, a palavra lente significa «o que lê», como vidente é «o que vê» e presidente «o que preside». Trata-se de um particípio presente uniforme. Na verdade, voltando à palavra «lente», o professor da Universidade, seguindo a vetusta tradição medieval, lia perante os alunos o livro ou os apontamentos que redigira e os estudantes bebiam as suas palavras. O ensino era, predominantemente, oral. Desta tradição nasceriam as «sebentas», livros policopiados (e, mais tarde, impressos) que compendiavam as lições ministradas e que, na gíria, o estudante era convidado a «empinar». Lente era, pois, uma categoria a que, na actualidade, corresponde a de professor catedrático, o topo da carreira docente universitária.

Jorge Fernandes Moreira
            O outro exemplo aduzido por Aurora Madaleno diz respeito ao Dr. Jorge Fernandes Moreira, que, aquando  do 25 de Abril, exercia funções, como inspector superior, na Direcção-geral do Ensino Superior. Foi, naturalmente, saneado, sob pretexto de ter pertencido à Legião Portuguesa: Sottomayor Cardia, por despacho de 18-1-1977 (que duas vezes no livro se transcreve – p. 18-19 e 62-63), determinou que lhe fossem suspensos o vencimento e o exercício de funções, privando-o também dos «seus direitos políticos plenos».
            Compreende-se, pelo que se lê no ponto 2.3 do livro, primeiro que a autora terá acompanhado de perto o percurso de Fernandes Moreira, por ter sido ela própria técnica do mesmo Ministério da Educação; segundo, que o saneado foi reintegrado no serviço em 1982, certamente por ter sido deferido requerimento apresentado pelo próprio à Comissão de Análise de Recursos de Saneamento e Reclassificação, de acordo com o estipulado no decreto-lei nº 232/78, de 17 de Agosto; contudo, eventuais ocorrências ou diligências feitas entre o saneamento e a reintegração não são referidas. Também de José Moreira pouco mais se diz no livro do que «nasceu numa Aldeia da Beira Alta» (p. 16) e que as exéquias eclesiásticas por ocasião do seu óbito se celebraram em S. Domingos de Benfica (Lisboa), a 11-7-2000.
A concluir, Aurora Madaleno apresenta o seu livrinho como «uma homenagem à vitória da boa convivência, da democracia e da liberdade, sempre no respeito pelos direitos dos cidadãos e na defesa do bem comum» (p. 20), não sem antes ter referido (p. 19) o desaparecimento da documentação relativa a este tipo de processos e de sublinhar que, hoje, devido a «estarmos mais familiarizados com os meandros das instituições políticas e o carácter dos políticos, quer pela liberdade de imprensa, quer pelos debates nas campanhas eleitorais, quer, ainda, pelos processos de difamação dos políticos na própria comunicação social» (p. 19-20), já se compreendam melhor «os motivos por que se “saneiam” uns e outros cada vez que mudam os partidos do Governo» (p. 20).
            «A melhor forma de comemorar o Centenário da República» – considera a Autora este seu depoimento, por ter dado relevo à importância da «dignidade da pessoa humana» (p. 21).
            As p. 23-68 são preenchidas com a transcrição dos diplomas referidos no texto. O prefácio (p. 5-6) é assinado por Afonso Cunha Duarte, que pondera ter este livrinho contribuído para preencher «uma das lacunas das comemorações» do Centenário da Implantação da República, justamente por ter exemplificado o «fenómeno do saneamento político» (p. 5).

                                                                       José d’Encarnação


Publicado na edição de 10-09-2012, de Cyberjornal:
http://www.cyberjornal.net/index.php?option=com_content&task=view&id=16995&Itemid=30



[1] Cf. ROSA, Elzira Machado, «Bernardino Machado e a Universidade de Coimbra», Revista de História das Ideias, Coimbra, 12, 1990, p. 257-267, que, no entanto, apenas aborda "O pensamento pedagógico de Bernardino Machado" e "A sua função na Universidade" (agradeço ao Doutor Azevedo e Silva esta informação).
[2] Agradeço ao Doutor Carlos André e ao Dr. Júlio Ramos a gentileza de terem compulsado a documentação existente; e ao neto de Bernardino Machado, Manuel Sá Marques, a prontidão com que me fez chegar os recortes da sua colecção, que integram, aliás, o Museu Bernardino Machado de Famalicão e de que se faz eco no blogue que mantém sobre o seu avô: http://manuel-bernardinomachado.blogspot.pt/
[3] Veja-se, por exemplo, de Carla A. GONÇALVES, a reportagem «Real Filatório de Chacim: Nas ruínas de um grande complexo industrial», publicada, a 23 de Setembro de 2010, no jornal Mensageiro de Bragança.
[4] Aurora Martins MADALENO, «VilAdentro – Quem pergunta quer saber», Casa da Cultura António Bentes, São Brás de Alportel, Abril de 2012. ISBN: 978-989-95726-6-9, p. 65.

domingo, 9 de setembro de 2012

Manuel Ai Quintas expõe no Centro Cultural de Cascais

            Está patente desde ontem (dia 8) à noite, na Capela do Fundador (Centro Cultural de Cascais) uma singular exposição de desenho e pintura, da autoria de Manuel Ai Quintas.
Confesso que desconhecia por completo essa sua faceta de artista, porque sempre o incluí no grupo dos hoteleiros credenciados da Costa do Estoril, pelos muitos anos passados à frente do Hotel Palácio, uma referência, portanto, na hotelaria e no turismo locais. E fiquei bem surpreendido pela facilidade com que traça, em breves penadas, bem sugestivos retratos: «a minha amiga Joana», «o meu amigo João», «os verdes» (acrílico sobre tela a mostrar curioso grupo de moços em convívio), «homem sentado» (técnica mista sobre papel), «elegância nas alturas» (são as girafas!…)… Traço contido, tonalidades suaves, um realismo envolto em terna e suave melancolia…
Estavam cerca de meia centena de amigos na abertura da mostra. E Manuel Ai Quintas discursou. Agradeceu à Fundação D. Luís I a possibilidade de aqui expor; mostrou a sua convicção de que esta tinha de ser uma Fundação para continuar, vítima também ela de uma comissão de avaliação incompetente e desconhecedora da realidade (digo eu). E depois, qual Padre António Vieira a narrar a acção do estatuário («Arranca o estatuário uma pedra dessas montanhas, tosca, bruta, dura, informe; e, depois que desbastou o mais grosso, toma o maço e o cinzel na mão, e começa a formar um homem – primeiro, membro a membro, e depois feição por feição, até à mais miúda […]» – lembram-se?), foi por aí adiante a dar conta, de uma forma eloquente e deveras estimulante, do que foi – ou do que é – para si a arte de criar: como dialoga com o pincel, com o tema, com as cores, com os olhos, esses sim, a alma de tudo!... Ouvimo-lo com muito agrado. E nem quase se dava conta de que o senhor dos aperitivos e dos cálices se passeava ao mesmo tempo entre a assistência a propor-nos que assim condimentássemos tão eloquentes palavras!
A mostra estará patente até dia 2 de Outubro e merece uma visita!

Publicado no Cyberjornal, edição de 09-09-2012:

Relíquias do fundador dos Salesianos visitam Cascais

            Considera-se – e não estaremos certamente longe da verdade – que é o concelho de Cascais o «mais salesiano» de Portugal, atendendo ao número de «casas» salesianas que tanto os Padres Salesianos como as Filhas de Maria Auxiliadora (o ramo feminino da Congregação) têm no concelho.
            Criada por S. João Bosco nos finais do século XIX, em plena revolução industrial europeia, quando para cuidar dos jovens dos núcleos urbanos desamparados nada se havia pensado, D. Bosco e os seus colaboradores começaram por reunir esses jovens em torno do desporto e depressa os foram encaminhando para o ensino profissional. Recorde-se que foi esta Congregação pioneira nesse ensino, inclusive em Cascais, onde a Escola Salesiana do Estoril foi técnico-liceal, com cursos de Indústria e Comércio, até esse tipo de ensino ter sido infelizmente abolido. Por isso também rara será a família do concelho que não tem alguém que andou ou que anda numa escola salesiana.
            Reveste-se, por isso, de sentida emoção o facto de, no âmbito da sua peregrinação pelo mundo, relíquias de S. João Bosco virem a Cascais, congregando, pois, em torno de si, por meio de adequado programa, quantos têm para com o Santo una particular devoção.
            Assim, às 11 horas do próximo dia 11, terça-feira, as relíquias serão solenemente recebidas no Pavilhão Gimnodesportivo da Escola Salesiana do Estoril. Estarão, no dia 12, ao final da tarde, no Externato de Nossa Senhora do Rosário. Na Escola Salesiana de Manique se preparou um programa mais dilatado para todo o dia 13.

Publicado na edição de 08-09-2012 de Cyberjornal:

Cuca Roseta encantou na Fiartil

             Embora tenha sido, claramente, o «parente pobre» da programação ‘festivaleira’ deste Verão cascalense (nem sequer teve direito a qualquer menção camarária no seu decurso, enquanto que, por exemplo, as Festas do Mar se mantêm publicitadas nos e-mails institucionais mesmo depois de já terem terminado!...), a Fiartil – Feira do Artesanato do Estoril continuou a ser o ponto de encontro tradicional das pessoas que amam Cascais e sabem quanto é agradável passear-se naquele tranquilo pinhal estorilense, ainda que o artesanato genuinamente português dele já ande arredio. Têm razão: a Fiartil não carece de promoção!
            Todas as noites houve animação musical com ranchos folclóricos locais e de fora, e amanhã, domingo, 2, último dia, será a grande final do concurso de fado (a que também a comunicação social camarária não deu relevo).
            Ontem, porém, sexta-feira, foi a vez de nos deixarmos encantar pela simpática presença de Cuca Roseta, uma voz límpida da Costa do Estoril que interpreta à sua maneira fados tradicionais (nomeadamente de Amália) e cativou a assistência com os ritmos das marchas lisboetas. Parabéns!
            O tempo ajudou também, com uma noite magnífica, morna, sem vento

Publicado na edição de 2-9-2012 de Cyberjornal:

«Aberto por obras»

            «Obras» é, sem dúvida, palavra que abominamos no nosso quotidiano. «Temos de fazer obras em casa!», «Nem me fales nisso! Logo se vê! Só pensar na desarrumação, na poeirada… Ná! Logo se vê!».
As obras num monumento classificado ou de significativa relevância ainda pior! Primeiro que se pense nisso a sério; primeiro que se consiga cabimentar verba no orçamento; primeiro que se estudem os termos do concurso da adjudicação; primeiro que se lance o concurso e se classifiquem os concorrentes; primeiro que a verba fique, afinal, disponível e as obras comecem… uma eternidade! E, depois, o edifício encerra «para obras»!...
Fiquei, por isso, mui agradavelmente surpreendido quando o meu amigo Juan Santos me propôs para o dia seguinte à conferência na Universidade do País Basco, 26 de Abril, p. p., que eu visitasse com ele as obras da catedral de Vitória. As obras? – perguntei a mim mesmo. Se calhar, há escavações arqueológicas pelo meio… E o que mais me admirou foi ele ter querido marcar a visita com mais de um mês de antecedência!...
Tinha razão. A catedral está «abierta por obras»; a Fundación Catedral de Santa María, responsável pelo processo, organizou visitas guiadas pagas, que têm sido um êxito quer do ponto de vista turístico quer financeiro: «Arquitectos, arqueólogos, operarios, andamios… configuran el dia a día de un proyecto innovador en el turismo cultural […] lo que nos lleva a ser un referente tanto nacional como internacional»!
Dei este exemplo num dos seminários do recente congresso realizado em Cascais sobre o património edificado e sua reabilitação. António Lamas, o orador cuja intervenção eu comentava, conhecia o caso de Vitória e garantiu-me que, em Sintra, as reabilitações em curso, da responsabilidade de Parques de SintraMonte da Lua, estão… «abertas para obras». Rejubilei.

 
Publicado no quinzenário Renascimento (Mangualde), nº 599, 1-09-2012. p. 4.

Cem vezes… património!

             Perfaz este «A Retalho» o nº 100. Desde Abril de 2003 que, na mesma pág. 10, por gentil convite do nosso prior, há uma coluna em que se tem procurado dar conta – mesmo vivendo fisicamente longe, mas espiritualmente bem perto – do que é o pulsar da tradição na nossa querida São Brás, recentemente tão fustigada pelas chamas. Um património também esse, não apenas económico, mas também paisagístico, muito nosso, que num doloroso ápice se esvaiu…
            Há mais de nove anos, portanto. Numa insistência pelo que genuinamente nos distingue: as nossas falas; os nossos comeres (ainda há dias fomos a casa de uma colega, em Sintra, que nos brindou com uma entrada bem nossa: as cenourinhas às rodelas!...); os nossos artesãos; o trabalho da pedra; o encanto da nossa paisagem salpicada de casinhas caiadas, moinhos no topo dos montes, fontes que se reencontraram…
            Alguém me escrevia em Março de 2010, a propósito do texto sobre as nossas casas tradicionais:
«Há portas lindíssimas, almofadas que são substituídas por portas de alumínio; o mesmo acontece com as platibandas e chaminés que estão a desaparecer em casas em ruínas».
Não o podemos permitir. E não apenas por força de uma qualquer portaria municipal, mas pela vontade dos são-brasenses! Essas ombreiras trabalhadas, esses lintéis datados, essas chaminés a ostentar datas e siglas constituem pedaços da nossa memória, da nossa identidade – e vamos continuar a lutar por eles, num concelho que dentro em breve vai, também ele, ser centenário!

Publicado no mensário VilAdentro [S. Brás de Alportel], nº 164 (Setembro 2012) p. 10.

sábado, 1 de setembro de 2012

A caça à multa e a manifesta má formação dos técnicos de trânsito

           – Parte-se do princípio de que as leis existem para ajudar o cidadão a melhor viver em comunidade;
– Parte-se do princípio de que os autores dessas leis são pessoas normais, pensantes e também são técnicos que estudaram nos livros e na realidade;
– Parte-se do princípio de que os agentes da autoridade existem para ajudar o cidadão a cumprir a lei e não para assumir como seu objectivo principal dar caça aos possíveis infractores.
É melhor escrever: partia-se desses princípios, porque, no actual momento da nossa dita «democracia», as excepções a esses princípios são tantas e tão flagrantes que mais vale pensar que tais princípios caducaram e foi o contrário que se arvorou em norma quotidiana.

A caça à multa
            Exemplo paradigmático foi o que ocorreu no dia 26 de Julho, p. p.: gigantesca acção de «caça à multa» foi montada por todo o país, previamente orquestrada para, no dia seguinte, as entidades embandeirarem em arco e informarem a Comunicação Social dos milhões de euros que haviam arrecadado.
Bem andou o nosso prezado colega Correio da Manhã, quando chamou o tema a manchete de primeira página, dando-lhe o nome adequado: «Caça à multa rende…».
Bem andou também o nosso prezado colega nestas colunas, Rui Rama da Silva, ao referir, que, em teoria, ou seja, de acordo com a lei, parte significativa do montante dessas multas deveria ser aplicada na beneficiação da rede viária nacional, aspecto que foi filosoficamente omitido no comunicado oficial, porque… não há, da parte do Estado, a menor intenção de cumprir a lei.
            E, perante o que se viu, mais uma vez ficou demonstrado que o que se pretende não é ajudar o cidadão mas sim puni-lo. A polícia assume-se como agente repressivo e não como agente persuasor, amigo, colaborante… E, por mais que, depois, lhe venham cantar outras loas, o Povo sai-se com esta: «Cantas bem, mas não me alegras!». E, infelizmente, detém inteira razão

As incompetências dos técnicos
            Raro terá sido o condutor que, ido de Cascais para o Estoril, tendo passado diante do Hotel Miragem, não tenha sido autuado, na manhã desse fatídico 26 de Julho de 2012, por ir em excesso de velocidade.
            Vejamos, então, o que determina a sinalização preconizada pelos técnicos.
            De Cascais para o Estoril, duas placas assinalam «velocidade controlada»; como as palavras têm a acompanhá-las a representação de semáforos, o condutor vulgar pensa: «Se eu for a mais do que o permitido – e, na marginal, o habitual é 70 – o semáforo cai; está bem». Eis senão quando aparece a placa dos 50, a escassos metros dos semáforos. Foi aí, claro, que, escondido na simpática vegetação fronteira ao hotel, estrategicamente se prantou o carrinho com o radar. Portanto, desde que o semáforo esteja verde, o condutor é levado a acelerar, porque é uma subida e a visibilidade excelente. Aceleras? És multado! Trigo limpo! Vais a 76 km/h? Paciência, Senhor Condutor, passe para cá 120 € (cento e vinte euros)! E é o mínimo que hoje lhe aplico, que podia aplicar-se mais!...
            Coitado do agente, não tem culpa! Se calhar, até tem mulher e filhos, um ordenado miserável e a certeza de que os condutores que, nesse dia, cumprindo ordens, multou lhe terão rogado pragas imensas e o terão enviado para as profundezas dos infernos!...
            É maldade cruel!
            E quase apetece sugerir: «Façam, amigos, façam isso todos os dias! Não é uma forma limpa e fácil de engordarem os esburacados cofres do Estado! Façam!».
            Mas, claro, aquilo está assim porque houve técnicos assaz competentes que assim acharam que devia ser. Até porque essa bendita placa, assim colocada ali, parece que terá validade até para lá de S. João. Há outras, também de 50, na Poça; mas essas fazem disparar o semáforo, o que ali se compreende: é zona de entrada e saída da praia. Mas há muito sítio para pôr radares de multa, para não ser sempre no mesmo, que a malta depois habitua-se e já não pode fazer apostas: «Onde é que os gajos vão pôr o radar hoje?».
            Aliás, já que estamos em maré de sugestões – a exemplificar também a competência dos técnicos de trânsito (no caso seguinte, creio que camarários) – outro local onde podem caçar condutores é na descida da 25 de Abril, em Cascais. Porquê? Porque a velocidade máxima aí permitida é 30 Km/h. 30 Km/h?! Isso mesmo!... Você já lá passou a 30 km/h? Eu, noutro dia, tentei e levei cada buzinadela!...
            Mas a placa lá está, desde o tempo do senhor Judas, porque por ali circulava, a 30 km/h, o trenzinho tranquilo da tranquila voltinha à vila. O trenzinho sumiu; a placa ficou!
            Vasculhando bem, situações destas multiplicam-se, porque (ao que parece) os técnicos de trânsito lêem muitos livros, mas… esquecem-se mesmo de ler a realidade!

[Publicado no Jornal de Cascais, nº 320, 29.08.2012, p. 6].