quinta-feira, 1 de julho de 2021

Esses letreiros por i perdidos…

              Amiúde cobertos já por líquenes, sinal de abandono e desinteresse. Outras vezes, porém, mantêm-se limpos, quiçá por alguém ter suspeitado do seu interesse histórico, embora pouco ou nada compreenda do que lá está escrito. É um letreiro antigo, já no tempo do meu avô eu o via ali, não sei o que significa.
            Pelas terras, há marcos com letras. A maior parte das vezes, só os anciãos se lembram do que essas estranhas siglas querem dizer. São os nomes dos proprietários e, por vezes, apenas uma pesquisa nas Finanças locais poderá esclarecer quem foram. Recorde-se, por exemplo, que os marcos com a sigla V.de espalhados pelo interior do País resultam da preocupação da Universidade de Coimbra em assinalar essa posse, na sequência da doação feita pelo Governo central.
Tenho recebido inúmeros pedidos quer de antigos alunos meus quer de amigos para os ajudar nessas decifrações. José Carlos Santos, de Moimenta da Beira, tem sido incansável nesse sentido. Por vezes, logramos decifrar; doutras, não chegamos lá.
Recorto dois que nos deram especial contentamento.
O primeiro é uma placa que se encontra no chão da zona central da capela seiscentista de Santo António, em Arcos, concelho de Tabuaço, frente ao altar. Assenta numa espécie de tampa de sepultura; está escrita em Latim e a tradução é a seguinte:
«Quem, como eu, a este estado chegar, então a verdade será revelada, amigo!»
Ou seja, o defunto adverte que, após a morte, tudo se saberá!
O segundo testemunho é o da placa com inscrição encastrada no muro de suporte de um fontanário no Largo da Praça, na povoação de Longa, também do concelho de Tabuaço. De água fresca e cristalina, alimenta-o uma nascente. Igualmente redigida em língua latina, a inscrição quer dizer em português:
«Pára, viandante, e bebe o bastante. Que a Natureza te dá abundante água grátis! 1835».
Apetece completar a mensagem: sacia a tua sede! E agradece o dom gratuito de que dispões!
Um diálogo, afinal, tanto numa como noutra das epígrafes.
A incitar-nos a nunca esquecer uma saudação, no dia-a-dia, àqueles que connosco se estão a cruzar!...

                           José d’Encarnação

Publicado em Renascimento (Mangualde), nº 802, 01-07-2021, p. 12.

3 comentários:

  1. E eu saúdo-o por mais esta agradável leitura.

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  2. Começo pela lembrança da saudação: nem sempre a faço. A partir da leitura deste texto, vou deixar de lado alguma amargura que no momento interfira com a obrigação de saudar. Depois "Esses letreiros por i perdidos" inscritos na perenidade da pedra. Também eu gostaria de falar com eles (elas) e decifrar a mente de alguém que um dia pensou deixar uma espécie de epitáfio. Mas por agora basta-me ler estes poéticos textos e aprender com o seu autor.

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