Hoje,
para mim, perante a transitoriedade do momento e a mui frágil precariedade dos
‘programas’, dou comigo, amiúde, a repetir frase de meu pai, que o é,
obviamente, de muita gente também: «Conforme o toque assim se baila!». Ou
ainda: «Nada acontec e por acaso». E
esta quem a terá dito pela primeira vez? Virá na Bíblia?
E
tenho as que, lidas, já cito de cor: «Não esqueças que é nos céus cinzentos que
aparece o arco-íris» (de Augusto José Monteiro, no livro “Três estórias (pouco)
doces”). E do «Principezinho», de Saint-Exupéry, muitas passagens, como, por
exemplo: «Quando se ama uma flor plantada numa estrela, é um encanto, à noite, olhar
para o céu: todas as estrelas estão floridas!».
Certamente
todos temos o hábito de sublinhar os nossos livros ou, se não é nosso, mas
pedido de empréstimo à bibliotec a ou
a um amigo, o de anotarmos frases que nos caíram no goto. Tenho uma pasta com
esses apontamentos:
«Os
sonhos são feras embalsamadas; a realidade é fera viva» (Agustina Bessa Luis,
em ‘Adivinhas de Pedro e Inês’).
«Todos
os homens são reis, rainhas são todas as mulheres e príncipes os trabalhos de
todos» (Saramago, «Memorial do Convento»).
«Quando
o tempo era mais lento e menos desperdiçado, menos gasto na sofreguidão inútil
de chegar quanto antes, numa avidez de viver tão depressa que transforma a vida
numa pobre aventura sem cor e sem sabor, uma corrida, um atropelamento, um cansaço»
(Jorge Amado, «Os Velhos Marinheiros»).
Creio
bem que, mui frequentemente, os autores nem sequer se apercebem por completo da
profundidade do que estão a escrever, tão naturais as frases lhes saem, fruto
da reflexão que vão tendo e plasmando nas suas personagens.
Morreu
Gabriel García Marquez. As frases que disseminou pelos seus livros constam hoje
de vários portais na Internet. E, na verdade, há quem as coleccione e no-las disponibilize
com enorme facilidade.
«Dos outros para mim», de
Celestino Costa
O
que Celestino Costa reuniu no livro «Dos Outros para mim», apresentado na tarde
de sábado, 10, na sede da Junta de Freguesia de S. Domingos de Rana, não foi
resultado, porém, de uma busca aí, mas de leituras muitas, de muitas reflexões,
de serões a falar com os seus botões. E tudo escreveu à mão. E agora, aí o
temos, como presente. Para saborear.
Poderá
perguntar-se se é legítimo atribuir uma autoria a um livro com essa característica
de mera colectânea de frases de outrem; ou, ainda, que interesse poderá deter
para o próprio para os leitores esse amontoado de frases, sem ordem nenhuma nem
cronológica nem organizadas por autor ou por temas, como que semeadas de acordo
com os circunstancialismos do momento. Têm razão de ser as duas questões. E, à
partida, a resposta negativa seria, sem dúvida, a mais acertada: não tem interesse
nenhum!
Pensando,
contudo, um pouco melhor, talvez se descortinem razões.
Primeiro,
no caso vertente, o livro acaba por ser – ouso dizê-lo! – uma espécie de autobiografia
interior. Não é apenas a capa, a reproduzir a lioz de Cascais e com os dizeres
a negro como os epitáfios do cemitério da Guia onde o canteiro Celestino passou
toda a vida, a cinzelar pedras e versos; é o conjunto dessas máximas que, paulatinamente,
lhe foram burilando a alma, o pensamento, a vida! Colocando-as ao nosso dispor,
não só nos oferece o seu retrato mas, de um modo subtil e assaz eloquente, nos
incita a, de quando em vez, pararmos um pouco neste frenesim em que se nos vai
a vida e… bebermos a longos haustos reconfortante sabedoria.
Bem
andaram, pois, a meu ver, a Junta de Freguesia de S. Domingos de Rana em apoiar
essa pretensão de um dos seus fregueses e a Associação
Cultural de Cascais em a facilitar.
Por
isso, ocorre-me que, nessa linha de pensamento, devo concluir este desabafo de
hoje, transcrevendo mais uma das passagens do «Memorial do Convento» (ponho
pontuação , que Saramago me perdoe!):
«Porque
será que os velhos se calam quando deveriam continuar falando? Por isso, os
novos têm de aprender tudo desde o princípio!».
Disponibilizou
o ancião Celestino Costa a sabedoria que outros lhe inocularam também. Aos mais
novos cumpre agora aprender essa lição !
Publicado em Costa do Sol – Jornal Regional dos Concelhos de Oeiras e Cascais,
nº 45, 14-05-2014, p. 6.
Sem comentários:
Enviar um comentário