quarta-feira, 18 de novembro de 2015

Sexta-feira, 13 - Enorme, inesperado e assustador trovão!

             Sexta-feira, 13, enorme, inesperado e assustador trovão ecoou, às 21 horas e 27 minutos, no Mirita Casimiro, e todos os espectadores deram um salto! Seguiram-se, naturalmente, largos sorrisos, porque depressa nos apercebemos de que era o sinal: «Macbeth» ia começar! Retiraram-se os fotógrafos que, minutos antes, procuravam colher os melhores ângulos da selecta assistência, para ilustrarem as páginas das revistas sociais e… a tragédia começou, as bruxas chegaram!
O cenário...
            Não, da tragédia sangrenta de Paris, iniciada às 21 e 15 (hora de França, mais uma hora que em Portugal), ainda não se sabiam notícias. Só ao intervalo, por volta das 23, é que os «smartphones» e os telemóveis mais vulgares voltaram a ser ligados e o drama ficou estampado nos rostos. Não sei se alguns de nós voltámos a pensar no facto de «Macbeth» ser considerada uma peça de maldição, «fruto dos muitos acidentes sofridos por actores e actrizes, por vezes fatais, e de teatros consumidos pelo fogo», como lembra Miguel Graça na folha explicativa do espectáculo. Porventura, agora, os mais supersticiosos adicionarão esta estreia – apesar de mui auspiciosa – ao rol de desgraças já secular.
            Direi, porém, que a chacina de Paris vem na sequência – queira-se ou não – do que na própria peça eloquentemente se apresenta, ainda que tudo se faça passar num bem longínquo século XI e numa Escócia governada por Macbeth. Mas também então há gente que se assassina a frio, à punhalada, só para não deter o poder. Assassina-se quem o detém, quem o apoia e quem poderá vir a fazer sombra aos novos poderosos. Claro, «para dourar a pílula», há todo um clima de superstição, de visões, encantamentos… e três sedutoras bruxas, qual coro de tragédia grega, incitam, profetizam, enfeitiçam…
O requinte do trajo real!
A maravilha do vestido real
            Não havia, então, promessa de huris em mui serenos e sempre refrescantes oásis de eterna felicidade; mas o ideal cavaleiresco, de honra a conquistar pela espada, exercia fascínio igual. Custa-nos a crer no que vemos e ouvimos; observando, porém, o que ora nos rodeia, quase um milénio passado, não há dificuldade em – mui dolorosamente, é certo – encontrarmos assaz gritantes coincidências. E é esta a missão do Teatro: tornar consciente, pôr ali diante de nós, num cenário despido (aquelas colunas, apesar de metálicas e paralelepipédicas, lembraram-me estalactites de misteriosa gruta…), aquilo que múltiplos véus amiúde logram ocultar!

O espectáculo
            Não perguntei a Carlos Avilez se escolhera a peça pela sua flagrante actualidade. Provavelmente, não. Terá querido, apenas, voltar a pôr em cena um Shakespeare, que é sempre um desafio maior.
Uma bruxa e suas
transparências
            Outros – muito melhor do que eu, pela cultura teatral que detêm – apreciarão pormenores e dirão do desempenho dos actores. Assisto à representação com o intuito de apreciar devotamente o resultado de um trabalho que, ao longo de meses, insistentemente foi levado a cabo por toda uma equipa, com o fim de nos proporcionar, em quase três horas, um desafiante retorno ao passado, na secreta esperança de que descubramos estar, afinal, bem no presente! Não posso, contudo, deixar de assinalar três aspectos que mais se seduziram:
            - Um trio de excepção: Carlos Avilez, Miguel Graça e Fernando Alvarez. Carlos Avilez foi, de novo, o encenador rigoroso, o que tudo exigiu. Miguel Graça trouxe-nos uma versão muito própria, com o estilo apurado a que já nos habituou. Mais uma vez, a cenografia e os figurinos estiveram a cargo do génio que é, sem dúvida, Fernando Alvarez, génio de experiência feito.
            - Lugar à parte justificam, desta feita, os figurinos. Rosário Balbi foi a mestra de guarda-roupa e as costureiras (Helena Fonseca, Lurdes Silva, Manuela Fernandes, Palmira Abranches e Teresa Balbi) souberam concretizar às mil maravilhas o que fora concebido. A originalidade do corte de todo esse guarda-roupa, quer dos elementos masculinos quer dos femininos, merece o maior destaque e, se prémio houvera para a modalidade «figurinos e guarda-roupa teatrais», eu o daria aqui, sem a menor dúvida! Excelente!
            Por fim, a representação: a peça é um clássico, vestido, por isso, da austeridade a que o teatro inglês nos habituou. Os actores compreenderam-no bem e tivemos o prazer de verificar quanto se apuraram na boa dicção, no gesto contido, na expressão corporal adequada. Houve, é natural, protagonistas, os que têm mais falas, os que desempenham um papel com maior relevo no desenrolar da acção (Marco d’Almeida em Macbeth, Flávia Gusmão em Lady Macbeth, por exemplo); contudo, a impressão que nos fica é que a equipa brilhou por igual, na entrega máxima ao que lhe fora proposto fazer.
            Uma tragédia que poderia ter-se passado assim no longínquo século XI. Uma tragédia que ora se passa, inesperada e em rasto bem doloroso, nesta segunda década do século XXI. Um milénio se esvaiu, a sanha do Homem não!
                                                                      José d’Encarnação

Publicado em Costa do Sol – Jornal Regional dos Concelhos de Oeiras e Cascais, nº 117, 18-11-2015, p. 6.

Fotos de Ricardo Rodrigues (da página do TEC).

1 comentário:

  1. Margarida Lino
    Obrigada Zé pelo teu comentario sobre os nossos artistas e a nossa cultura, que bem precisam, bjs!

    Maria Delfina Vasconcelos
    Muito bom, Zé Manel! Que coincidência, Macbeth e Paris em 6ª feira, 13!!!!

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