quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

Histórias sobre a amizade

             Para além do tema em si, pleno de actualidade, o que decerto levou a que, de Outubro de 2012 a Fevereiro de 2013, o livro tivesse seis edições, é, a meu ver, a amenidade da forma da escrita do padre José Tolentino Mendonça. Nenhum Caminho Será Longo (Paulinas Editora, Lisboa, ISBN: 978-989-673-260-8, 240 páginas que se lêem num fôlego!) assume aquele jeito bíblico de entremear a explanação teórica com histórias breves, muitas da Bíblia, é certo, mas muitas outras retiradas do nosso quotidiano vivido.
            Gostei do livro, da sua estruturação em curtos subcapítulos. Inclusive da sua textura, do formato, do tipo de letra, do papel!… Um daqueles livros físicos que nos faz pensar quanto é penoso imaginar que, daqui a uns tempos quiçá, só haverá livros digitais!...
            Inspira-se o título num provérbio japonês, que constitui, de resto, a epígrafe do volume: «Ao lado do teu amigo, nenhum caminho será longo». Poderá ‘assustar’ o subtítulo «Para uma teologia da amizade», na presunção de que estaremos logo perante dissertações estranhas, alheias ao nosso dia-a-dia. Muito ao contrário! Acabamos por verificar que, afinal, nos importa cada vez mais fazer silêncio, e olhar com outros olhos o que habitualmente fazemos. Cita-se, por exemplo, Claude Lévy-Strauss: «A cozinha assinala a passagem da natureza para a cultura», para se afirmar que «a cozinha é o lugar da criatividade e da recomposição», na sequência de uma estranha frase de Santa Teresa, «Deus move-se por entre os púcaros» (p. 81)! Isto é, gestos comuns, maquinalmente executados, poderão vir a ser ‘outros’, se forem devidamente integrados em maior atenção.

Onde deixaste os sapatos?
            E, nesse aspecto, conta José Tolentino Mendonça uma história deliciosa. Adestrado numa filosofia zen, o discípulo prepara-se arduamente pois vai ser examinado pelo mestre. E, quando chega diante dele, «o mestre pergunta-lhe apenas: “Ao entrares agora, onde deixaste os sapatos? À direita ou à esquerda do armário?» (p. 86).
            Uma exortação à alegria, à celebração, «bem-aventurados aqueles que vivem uma história e a podem contar» (p. 145), porque, na verdade, se «o alaúde foi construído à navalha», o certo é que «depois solta uma música incrível». Um hino à liberdade de sermos nós próprios: «Uma pessoa que dominou a sua vida vale mais do que mil pessoas que dominaram somente o conteúdo de livros», é citação de Mestre Eckhart, que determina, de seguida, perspicaz observação: «Parece que temos de viver sete vidas num dia só, ofegantes, ansiosos, desencontrados e meio insones» (p. 221).
            Curiosa, nesse âmbito, a análise acerca do que nos rouba o tempo: «Os telefonemas que chovem e se prolongam por coisa nenhuma; os compromissos e obrigações sociais de mero artificialismo; as reuniões sem uma agenda preparada em vista de objectivos…» (p. 221).
            Alimentava-me eu, desde há mais de 30 anos, em textos de pensadores como os irlandeses Joseph Murphy e Emmet Fox ou o americano Merlin R. Carothers, meus livros de cabeceira. E tenho agora, em português, quem vai no mesmo sentido de nos mostrar que… vale a pena viver!

Publicado em Cyberjornal, edição de 2015-01-13:

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