terça-feira, 22 de maio de 2018

Sentir a três dimensões

             Passo diariamente, ao passear com o meu cão, sob um pinheiro do bairro. Outro dia, não resisti e fotografei-o cá de baixo. Impressionam-me sempre as voltas, reviravoltas, dobras e torceduras dos velhos ramos, em busca da melhor exposição à luz.
            Imaginei, imagino a luta de todos os seres vivos, cada um à sua maneira, para lograrem sobreviver e espreguiçar-se ao Sol.
            Quando me foi dado observar, agora, as peças escultóricas e as telas do jovem Filipe Curado, na exposição que celebra os seus 20 anos de carreira, surgiu-me logo a imagem do secular pinheiro do meu bairro. Na verdade, são assim as árvores do escultor. Lutaram, contorceram-se nas suas raízes, enrolaram-se na busca difícil da claridade em que a alvura do mármore resplandecia… E… desabrocharam!
            Explosão, diríamos, essas copas! Corais, esponjas, núcleos primordiais… donde brotarão formas a recompor! Sim, porque o desafio aí está, para cada um dos olhares: que vou eu fazer sair daqui?
            Inquietante, a mensagem, na sua génese. Consoladora, porém, se nela atentarmos melhor: são duas as árvores nascidas! Gémeas. Irmãs. No hino a recordar como, no estranho labirinto em que mui dolorosamente se nos vão as vidas, há por perto uma companhia fraterna, solene promessa de amparo!
            Suspenso está o jardim; mármores e telas transmitem-nos, no entanto, uma serenidade real.

                                                           Cascais, 8 de Maio de 2018                                

                                                       José d’Encarnação

Abertura do catálogo da exposição «Jardim Suspenso», do escultor Filipe Curado, patente na galeria do Casino Estoril desde 19 de Maio até 18 de Junho.

Sem comentários:

Enviar um comentário