sexta-feira, 21 de março de 2025

Zeitonas

            Longe de mim a intenção de querer copiar o propósito do meu amigo Francisco Neves que, na edição de Fevereiro, dedicou extensa crónica às amêndoas. Mesmo que seja sua ideia escrever de seguida sobre a azeitona, garanto-lhe que já era minha intenção, há uns tempos, de evocar esta iguaria quando a oportunidade surgisse. Surgiu agora e estou certo de que o tema jamais se esgotará e cada qual o abordará à sua maneira.
            Começo por recordar que, num dos almoços à do Zé Dias, comemorativos do aniversário do nosso concelho, eu me descaí a dizer que há muitos anos que não comia azeitonas de sal, só no Algarve tal se poderia saborear. E aconteceu que um dos simpáticos comensais (confesso que não lhe fixei o nome, mas fiquei-lhe grato) mui sorrateiramente saiu da mesa e daí a algum tempo me apareceu na frente com um punhado de azeitonas de sal que tinha ido buscar a casa!
            Hoje, restaurante são-brasense que se preza apresenta-nos, em jeito de aperitivo, o pratinho de rodelas de cenourinha cozida temperada e azeitonas também com seu alhinho picado, orégãos, colorau, azeite e vinagre, uma folhinha de louro e, por vezes, até um raminho de hortelã.
            Confesso que não hesitei em usar os diminutivos, que são muito nossos, nada piegas e sempre a ressumarem o carinho com que são preparados. E se a moda da cenourinha às rodelas ainda não pegou por esse País fora, as zeitonas temperadas já fazem parte integrante da ementa dos aperitivos de muitos restaurantes afora do reino do Algarve.
            Aprendi com meu pai a curar a azeitona, que, aqui na zona cascalense, íamos apanhar à de um compadre meu, cujas oliveiras davam bem para azeitona de conserva. E, por isso, cedo aprendi a importância da água da chuva, das folhas de louro, da nêveda, dos orégãos, dos punhados de sal grosso, dos alhos inteiros pisados… E a não dispensar azeitonas à mesa e a apreciá-las todas: as verdes inteiras, as verdes arretalhadas, as verdes britadas (e a experiência que é preciso ter para lhes tirar o acre natural!), as pretas (escaldadas, murchas ou não…), as de salmoura...
            Admiram-se os meus amigos estrangeiros por o fruto da oliveira não se chamar algo como ‘oliva’, tal qual se diz, por exemplo, em espanhol, em italiano ou em francês, línguas itálicas. É que a palavra portuguesa ‘azeitona’ vem, como se sabe, do árabe –que ali se pronunciará algo como zitun e nós, amiúde, no falar quotidiano, até lhe comemos por isso o a inicial. Mais um exemplo da forte influência que recebemos da comunidade árabe que durante mui largas décadas aqui lançou raízes!
            – Então, vai uma zeitoninha, amigo? Com um copito de branco ou tinto ou uma cervejinha sai mesmo a matar!...

                                                                       José d’Encarnação

Publicado em Notícias de S. Braz [S. Brás de Alportel], nº 340, 20-03-2025, p. 13.

A força do idioma

          Em entrevista de Alexandra Prado Coelho, publicada no passado dia 5, a cantora mexicana Lila Downs não teve receio em afirmar: «O idioma é uma arma de poder». Por isso, sempre insistiu em cantar na sua língua; e a entrevistadora sublinhou, na síntese inicial:

            «Há línguas a desaparecer – e com elas perdemos ideias, poéticas, formas de entender o mundo. Mas há outras que resistem e se reforçam. Manter viva uma língua é uma forma de resistência».

            Hoje, nomeadamente em relação a textos científicos, exige-se publicação em inglês, sob pretexto de ser uma língua supostamente ‘universal’ que todos entendem. É um erro crasso.
           Primeiro, porque há conceitos que só na língua autóctone se conseguem expressar. «Saudade», como se sabe, é o exemplo maior.
            Segundo, porque – por melhor que se conheça a língua inglesa – há frases idiomáticas que não têm tradução precisa. Sabe-se que mesmo os cientistas ingleses estão a ficar preocupados pela contínua adulteração que se está a fazer da sua língua, devido ao seu mau uso. A possibilidade de a chamada ‘Inteligência Artificial’ se arrogar o privilégio de tudo traduzir mais veio agravar o problema. E nunca será de mais recordar a cena em que se escreveu ter ido um professor fazer uma conferência a Thin Point, que é como diz… a Ponta Delgada!...
            Ser uma arma de poder já temos bastos exemplos disso.
            Aquando da invasão de Timor pela Indonésia, a primeira medida dos invasores foi proibir o ensino do Português nas escolas. Quando a Rússia (onde se usa o alfabeto cirílico) se apoderou da Moldávia romena (que usa o alfabeto latino, pois o romeno é uma língua latina), a preocupação foi ao ponto de até os epitáfios dos cemitérios terem sido quebrados, a fim de os dizeres serem substituídos: tudo o que era vestígio de soberania, memória, património precisava de ser extirpado!...
          Curiosamente, em relação a este país, atitude contrária teve Ceausescu que não hesitou em reabilitar, em Adamclisi, o Trophaeum Traiani, monumento que, nos primórdios do séc. III, o imperador romano Trajano mandara erguer para comemorar a vitória sobre… os Dácios! Agora, eram os actuais Dácios que queriam mostrar-se latinos!

                                                                                       José d’Encarnação

Publicado no jornal Renascimento (Mangualde), nº 876, 20-03-2025, p. 10.