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Que os Romanos, ao invadirem a Península Ibérica, tiveram
em mira as nossas minas de ouro e ferro já o suspeitávamos. E que, ao
sentirem-se bafejados por este clima tão ameno e águas tão prazenteiras, por cá
se houvessem decidido a ficar, também não é de admirar. Por isso, quando, há
anos, os arqueólogos toparam com ruínas de estruturas romanas em Vilamoura,
surpresa nenhuma se fez sentir.

Panorâmica do sítio romano
de Vila Moura
Começou-se por caracterizar o sítio como villa, que
era o tipo de estrutura de povoamento habitual nestas paragens. Aliás, a villa
romana já se apontou como sendo o antepassado do monte alentejano: junto à casa
senhorial se alinhavam os banhos («termas» costumamos chamar aos dos Romanos),
o lagar, o celeiro, as casas para os trabalhadores.
E, sempre que se encontravam mosaicos, villa tinha de
ser, porque se imaginava logo a sala principal de recepção aos convivas com mui
selecto e policromado mosaico, qual genuíno tapete persa ou requintado
arraiolos dos nossos dias. Por isso, tendo-se descoberto mosaicos, Vilamoura villa
romana (com dois LL, à moda latina) tivera que ser.
Antes, porém, de se dar conta dos resultados da nova
investigação levada a efeito pela Dra. Ana Pratas, importa esclarecer o que
está por detrás do topónimo Vilamoura. Terá sido designação, creio, quase
instintiva: há estruturas habitacionais, há mosaicos… portanto, villa há-de
ser, que não se lhe vai dar nome de aldeia, lugar ou sítio, nomes vulgares.
Estava-se, então, ainda nos alvores das maiores descobertas
romanas por essa Europa afora e, nas zonas balneares (Biarritz, Monte Estoril,
Nice, Rimini, Constantza…), a vivenda de veraneio villa teria de
chamar-se.
Por outro lado, para o português comum, ‘coisa antiga’ tinha
de ser «do tempo dos Mouros», ainda por cima neste Algarve, onde as
palavras árabes ocupavam porção importante do vocabulário quotidiano. Portanto,
«moura» tinha de ser: Vila Moura!
Depressa, todavia, os resultados das escavações, cada vez
mais cuidadas e sistemáticas, deram a entender que se estava perante estruturas
a mais para singela casa romana, ainda que envolta em nada singela
magnificência.
Um dos mosaicos romanos no Cerro da Vila, Vilamoura
Um vicus
Por isso, bem analisado o conjunto, optou a Dra. Ana Pratas
pela classificação do sítio como ‘vicus’. Ainda que do vocábulo latino
‘vicus’ tenha vindo a palavra «beco», dela também deriva a palavra ‘vicini’,
os vizinhos, os habitantes do ‘vicus’. E como nós, hoje, gostaríamos de
voltarmos todos a tratar-nos por ‘vizinhos’, os que vivemos na mesma rua, no
mesmo bairro!…
Mas foi mais além Ana Pratas: dada a especificidade dos
vestígios detectados, na sua maior parte ligados ao mar, Vilamoura (ou o Cerro
da Vila como também é chamada) tivera de ser um «vicus maritimus».
Vamos, pois, por aí.
Claro: conchas de moluscos marinhos encontraram-se em
quantidade. Era normal, já se sabia, e, por tal motivo, Ana Pratas decidiu-se –
e bem! – a minuciosamente estudar o que de vertebrados aí se encontrara.
Que o Romano deveria ter tido animais para a lavoura, para a
caça, cães de guarda, ovelhas, cabras, o porco… De resto, em mosaicos de ‘villas’
doutras paragens, havia cenas de caça (como em Conímbriga) e, até, um senhor de
Pompeios decidira mandar pôr à entrada da mansão a imagem de um cão de dentes
arreganhados com a legenda CAVE CANEM, «Cuidado com o cão».
«Cuidado com o cão», em
Pompeia
Teria havido cães romanos em Vilamoura? Houve. De acordo com
os restos ósseos inventariados por Ana Pratas, na sequência das intervenções
arqueológicas ao longo dos anos aí levadas a cabo, encontraram-se 30
testemunhos de Canis lupus familiaris, que é o nome científico do nosso
cão, depois dos 111 referentes ao porco (o ‘sus’ científico), que ocupa
o primeiro lugar.
Certo é que se trata de mero sinal, porque não só os 30
testemunhos são passíveis de não se referir a 30 animais, como se trata de
testemunhos referentes a vários séculos. Que o cão esteve por ali, esteve, isso
é uma certeza!
Enfim, teria sido nesses seculares tempos uma vida não muito
diferente da que hoje por ali vamos tendo. E, como o sítio dispõe de Centro
Interpretativo, porque não agendar para um dos próximos fins-de-semana uma ida
até ao local, a fim de se apreciar com os próprios olhos o que mui sucintamente
aqui e agora se anotou?
Além disso, o estudo da Dra Ana Pratas – acrescente-se –
acaba de ser publicado no nº 29 (2025) da revista do Arquivo Municipal de Loulé
(Al-‘ulyà), que tive o gosto de apresentar a 4 de Outubro.
José d'encarnação
Publicado em Sul Informação, Outubro 12, 2025: https://www.sulinformacao.pt/2025/10/animais-romanos-em-vilamoura/