Cascais 19/06/2025
Prefácio ao livro Despertar a Alma… Re-conhece o Divino que há em ti, de Sofia PsiLuz Teixeira. Carnaxide: Cordel d’Prata, 2025, p. 13-15. ISBN: 978-989-790170-6
Cascais 19/06/2025
Prefácio ao livro Despertar a Alma… Re-conhece o Divino que há em ti, de Sofia PsiLuz Teixeira. Carnaxide: Cordel d’Prata, 2025, p. 13-15. ISBN: 978-989-790170-6
Que valente punhada esta, senhores!
José d’Encarnação
Publicado em Renascimento (Mangualde), nº 884, 24-11-2025, p. 24.O abusivo recurso à terminologia inglesa está a gerar mui louvável contra-ataque linguístico. Ainda há dias, a local de um jornalista algarvio me obrigou a ir ao dicionário.
Ora acontece que, nas suas crónicas, o Doutor João Lourenço Roque vai pelo mesmo caminho. Assim, no mais recente volume Digressões Interiores 4, editado por Palimage (Coimbra, 2025) incluiu mais duas crónicas dedicadas a essa «Linguagem à moda antiga». E se Celestino Costa quis documentar, como se viu, o uso dessas expressões. o mesmo intuito teve João Lourenço Roque. Não me escuso, pois, a transcrever duas dessas suas expressões, não apenas pelo seu tipicismo, as também porque facilmente imaginamos as cenas referidas, que não deixam de nos fazer sorrir – função que muito nos agrada quando para tal, por toda a parte, bem escasseiam motivos:
José d’Encarnação
Publicado em Duas Linhas, 18-11-2025: https://duaslinhas.pt/2025/11/o-contra-ataque-linguistico/
Publicado em Duas Linhas, 17 de Novembro, 2025: https://duaslinhas.pt/2025/11/o-amansar-da-fera/
José d’Encarnação
Publicado em Notícias de S. Braz [S. Brás de Alportel], nº 348, 20-11-2025, p. 13.
Decerto lhe despertou invulgar curiosidade quanto leu. Sempre apreciou antigas lendas e «coisas velhas» a veicularem memórias de outrora. De facto, sempre nos causa admiração verificar como tantos pormenores com que, no quotidiano, nos vamos cruzando, na pressa em que se nos vai a vida, nos passam totalmente despercebidos, sem que, alguma vez, houvéssemos pensado na hipótese de, também eles, esconderem uma história ou serem testemunhos de mensagem, um dia, pensada como transmissível aos vindouros por um dos nossos antepassados.
Por isso também nem a toda a gente se pode entregar tal tarefa:
«Parte-me por aí nesse concelho, à cata de tudo quanto vale a pena assinalar e conta-nos depois como foi!».
José Carlos Santos tem esse perfil bem adestrado. O livro que ora acabou de folhear é boa prova disso, estou seguro: texto e imagens lhe proporcionaram inesperado percurso pela História desde os tempos mais antigos até quase à actualidade; deram-lhe a conhecer recantos, edifícios, monumentos cujo interesse jamais lhe haviam chamado a atenção. E devo confessar que, tendo acompanhado a par e passo a sua incansável actividade, apreciei deveras a sua enorme capacidade de trabalho, o seu apurado espírito de observação, a par da larga experiência de análise do terreno por estas paragens singulares adquirida, nos últimos anos. De tudo José Carlos Santos meticulosamente deu conta, nestes anos de mui intenso labor. As dificuldades aguçaram-lhe o engenho. Jamais ousou cruzar os braços! E, perante o panorama traçado, facilmente se deduzirá que, como sói dizer-se, em boas mãos esteve o pandeiro: boa melodia dele mui briosa e inteligentemente soube arrancar.
A cada um dos leitores terá naturalmente interessado mais esta ou aquela passagem. Diversas, as reacções. E até a identificação de vestígios arqueológicos ou históricos de relevo pode provocar duas reações visceralmente opostas:
– Sim, é importante, vamos preservar, enobrecer, estudar!
– Chatice! Logo à minha gente deu na veneta ir comprar aquela terra que já os Romanos haviam cobiçado! Azar!
De facto, sabemo-lo bem, qualquer dessas reacções pode pecar por excessiva: nem tudo é para preservar e nem tudo constitui empecilho à justa obtenção de dividendos. Fica aí, no entanto, uma série de pistas susceptíveis de posterior desenvolvimento: os menhires a jazer em sítios quase inóspitos; aquela ara de Longa cujo interesse histórico há a realçar; as inúmeras sepulturas cavadas na rocha; as antigas calçadas e os marcos que delas se registaram; esses silhares almofadados dispersos por aqui e por além; as insculturas em penedias (como a do Penedo Rachado); os capitéis coríntios no muro do cemitério de Santo Aleixo; e, de modo especial, os 39 marcos a assinalar antigas propriedades da Universidade de Coimbra…
Um mundo descoberto, sim; mas também, um mundo ainda por melhor descobrir! Sem cruzar os braços.
José d’Encarnação
Posfácio ao livro Carta Arqueológica de Tabuaço, de José Carlos de Jesus Santos. Câmara Municipal de Tabuaço, Outubro de 2025, p. 305-306.
Gabriel Pereira (1847-1911), notável homem de cultura do seu tempo e de todos os tempos pelos testemunhos que nos legou, foi chamado, um dia, a avaliar o recheio de uma casa. O que viu e como o viu fez com que ele sentisse a obrigação de o partilhar por escrito. Li essa partilha e não a quero, pois, só para mim. Vou contar. Iam ser feitas partilhas, os herdeiros decerto iriam preferir dinheiro a antigualhas.
«Senti a poesia dolorosa do desastre. Sozinho entre preciosidades acumuladas em sucessivas gerações, que me pareciam contar histórias, invadiu-me uma saudade indefinida, motivada pelo conjunto de recordações. Iam abandonar-se, partir em diversos rumos aqueles móveis e quadros, por tantos anos companheiros».
Poderíamos ficar por aqui – que, em catadupa, quantos casos desses conhecidos nos viriam à cabeça e, porventura, até antojaríamos que esse é capaz de vir a ser o nosso também. Nesse dia, porém, algo de aparentemente inesperado aconteceu para Gabriel Pereira:
«De súbito, um minuete estalou o silêncio triste: um belo relógio de carrilhão anunciava o meio-dia com a sua fina sonoridade. Na ocasião, pareceu-me ver no relógio uma implacável ironia. Acabou o minuete, soaram no timbre, espaçadas, as doze horas, agudas, cruéis; e esmoreceu lentamente a última. O tempo! O tempo que tudo vai mudando e gastando».
Parei. Ainda me parece estar a ouvir o som metálico do relógio, a lembrar-me que, afinal, iria ser verdade: que também o relógio do minuete iria partir, incógnito, para outras paragens.
Enlevo, felicidade! – para isso contribuem (queremos que contribuam!) os quadros que comprámos ou nos ofereceram com dedicatórias até; os móveis utilitários; aquele sofá preferido para uma leve sesta; os dois ou três livros a ter sempre à mão, basto sublinhados a lápis eles estão!…
Enlevo, felicidade, património. Valor venal, valor de memória, de valor impessoal algum dele – a ultrapassar as soleiras daquela porta e a merecer, quiçá, um dia, lugar de relevo em museu.
José d'Encarnação
Publicado em Duas Linhas, 2.11.2025: https://duaslinhas.pt/2025/11/o-tempo/
José d’Encarnação
Publicado em Notícias de S. Braz [S. Brás de Alportel], nº 347, 20-10-2025, p. 13.
Parte inferior do formulário
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Que os Romanos, ao invadirem a Península Ibérica, tiveram em mira as nossas minas de ouro e ferro já o suspeitávamos. E que, ao sentirem-se bafejados por este clima tão ameno e águas tão prazenteiras, por cá se houvessem decidido a ficar, também não é de admirar. Por isso, quando, há anos, os arqueólogos toparam com ruínas de estruturas romanas em Vilamoura, surpresa nenhuma se fez sentir.
Panorâmica do sítio romano de Vila Moura
Começou-se por caracterizar o sítio como villa, que era o tipo de estrutura de povoamento habitual nestas paragens. Aliás, a villa romana já se apontou como sendo o antepassado do monte alentejano: junto à casa senhorial se alinhavam os banhos («termas» costumamos chamar aos dos Romanos), o lagar, o celeiro, as casas para os trabalhadores.
E, sempre que se encontravam mosaicos, villa tinha de ser, porque se imaginava logo a sala principal de recepção aos convivas com mui selecto e policromado mosaico, qual genuíno tapete persa ou requintado arraiolos dos nossos dias. Por isso, tendo-se descoberto mosaicos, Vilamoura villa romana (com dois LL, à moda latina) tivera que ser.
Antes, porém, de se dar conta dos resultados da nova investigação levada a efeito pela Dra. Ana Pratas, importa esclarecer o que está por detrás do topónimo Vilamoura. Terá sido designação, creio, quase instintiva: há estruturas habitacionais, há mosaicos… portanto, villa há-de ser, que não se lhe vai dar nome de aldeia, lugar ou sítio, nomes vulgares.
Estava-se, então, ainda nos alvores das maiores descobertas romanas por essa Europa afora e, nas zonas balneares (Biarritz, Monte Estoril, Nice, Rimini, Constantza…), a vivenda de veraneio villa teria de chamar-se.
Por outro lado, para o português comum, ‘coisa antiga’ tinha de ser «do tempo dos Mouros», ainda por cima neste Algarve, onde as palavras árabes ocupavam porção importante do vocabulário quotidiano. Portanto, «moura» tinha de ser: Vila Moura!
Depressa, todavia, os resultados das escavações, cada vez mais cuidadas e sistemáticas, deram a entender que se estava perante estruturas a mais para singela casa romana, ainda que envolta em nada singela magnificência.
Um dos mosaicos romanos no Cerro da Vila, Vilamoura
Um vicus
Por isso, bem analisado o conjunto, optou a Dra. Ana Pratas pela classificação do sítio como ‘vicus’. Ainda que do vocábulo latino ‘vicus’ tenha vindo a palavra «beco», dela também deriva a palavra ‘vicini’, os vizinhos, os habitantes do ‘vicus’. E como nós, hoje, gostaríamos de voltarmos todos a tratar-nos por ‘vizinhos’, os que vivemos na mesma rua, no mesmo bairro!…
Mas foi mais além Ana Pratas: dada a especificidade dos vestígios detectados, na sua maior parte ligados ao mar, Vilamoura (ou o Cerro da Vila como também é chamada) tivera de ser um «vicus maritimus». Vamos, pois, por aí.
Claro: conchas de moluscos marinhos encontraram-se em quantidade. Era normal, já se sabia, e, por tal motivo, Ana Pratas decidiu-se – e bem! – a minuciosamente estudar o que de vertebrados aí se encontrara.
Que o Romano deveria ter tido animais para a lavoura, para a caça, cães de guarda, ovelhas, cabras, o porco… De resto, em mosaicos de ‘villas’ doutras paragens, havia cenas de caça (como em Conímbriga) e, até, um senhor de Pompeios decidira mandar pôr à entrada da mansão a imagem de um cão de dentes arreganhados com a legenda CAVE CANEM, «Cuidado com o cão».
«Cuidado com o cão», em Pompeia
Teria havido cães romanos em Vilamoura? Houve. De acordo com os restos ósseos inventariados por Ana Pratas, na sequência das intervenções arqueológicas ao longo dos anos aí levadas a cabo, encontraram-se 30 testemunhos de Canis lupus familiaris, que é o nome científico do nosso cão, depois dos 111 referentes ao porco (o ‘sus’ científico), que ocupa o primeiro lugar.
Certo é que se trata de mero sinal, porque não só os 30 testemunhos são passíveis de não se referir a 30 animais, como se trata de testemunhos referentes a vários séculos. Que o cão esteve por ali, esteve, isso é uma certeza!
Enfim, teria sido nesses seculares tempos uma vida não muito diferente da que hoje por ali vamos tendo. E, como o sítio dispõe de Centro Interpretativo, porque não agendar para um dos próximos fins-de-semana uma ida até ao local, a fim de se apreciar com os próprios olhos o que mui sucintamente aqui e agora se anotou?
Além disso, o estudo da Dra Ana Pratas – acrescente-se – acaba de ser publicado no nº 29 (2025) da revista do Arquivo Municipal de Loulé (Al-‘ulyà), que tive o gosto de apresentar a 4 de Outubro.
José d'encarnação
Publicado em Sul Informação, Outubro 12, 2025: https://www.sulinformacao.pt/2025/10/animais-romanos-em-vilamoura/