sábado, 11 de fevereiro de 2012

O significado do Carnaval

«Carnaval»… porquê?
Aceita-se como origem verosímil da palavra Carnaval a expressão latina Carne, vale!, que significa «Ó carne, adeus!», relacionável com o facto de, no Ocidente católico, se lhe seguirem os 40 dias da Quaresma, em que, para além de a meditação sobre o sentido da vida ser mais intensa e recomendada, também havia restrições alimentares, sendo, por exemplo, de abstinência de carne todas as sextas-feiras.
Desta sorte, como que se permitiam nesse dia – ou nesses dias, se considerarmos o aforismo popular «a vida são dois dias e o Carnaval são três!» – alguns desvios das habituais normas de comportamento social, para se expulsarem do espírito tendências eventualmente reprimidas. Daí que o artifício da máscara atrás da qual se oculta a verdadeira identidade da pessoa seja o mais natural – e cada qual se mascara, então, como quer.

Um ritual universal

De resto, a máscara sempre existiu em todas as civilizações, usada em rituais solenes, quando a identidade real do actor necessitava de se transformar aos olhos dos demais e, até, da própria divindade. Em África, na Ásia, nas Américas…
Mascaram-se os caretos de Podence, lá bem no interior de Trás-os-Montes, em Macedo de Cavaleiros, «imagens diabólicas e misteriosas que, todos os anos, desde épocas que se perdem no tempo, saem à rua nas festividades carnavalescas» – «Entrudo chocalheiro – Uma tradição ancestral»…
Ostentam vistosas máscaras donzelas, senhores e matronas, no singular Carnaval de Veneza, um dos cartazes mais pitorescos da cidade dos canais, por onde em enfeitadas gôndolas lentamente desfilam, para deleite supremo de concidadãos e de turistas…
Vive o Brasil, quer no Rio quer em Salvador e noutras cidades, um Carnaval trepidante, pleno de imaginação, rico em fantasia, numa evocação do passado, num escalpelizar do presente, num desafio ao futuro…
Criou Teodoro dos Santos, entre nós, nos anos 50, o corso carnavalesco do Estoril, atraindo à estância balnear que então se afirmava no horizonte turístico internacional vedetas do maior brilho no firmamento cinematográfico, por exemplo. E Cascais, com o apoio da Câmara, logrou ainda, durante algum tempo, manter essa tradição, hoje só assumida por Janes e Malveira (ou, se se preferir, pelas colectividades Malveira e de Janes).

Um ritual necessário
Escreve-se na página dos Caretos de Podence: «Interrompendo os longos silêncios de cada inverno, como que saindo secretos e imprevisíveis dos recantos de Podence, surgem silvando os Caretos e seus frenéticos chocalhos bem cruzados nas franjas coloridas de grossas mantas».
E aí reside o significado maior do Carnaval, herdeiro de iguais festas de que há notícia já no mundo romano. Aliás, também se lhe chama «Entrudo», que deriva do latin introitus, a “entrada" ou "começo" da primavera. Exacto, após os «longos silêncios de cada inverno», antevê-se o ressurgimento da vegetação, um novo ciclo vai começar, urge dar largas a essas pulsões que a invernia reprimira. Extravasa-se a alegria, pode mesmo exagerar-se nela, que se trata apenas de uns dias, até à serração da velha, ao enterro do bacalhau, ao queimar em purificadora fogueira de todas as nossas preocupações, dos malefícios que sobre nossas cabeças pairam, dos maus agoiros que se difundem…

Conclusão
Assume-se, pois, o Carnaval, nesta época do ano, como terapia de maleitas, tempo de exorcismo, banho purificador, alívio de pressões a gerar forças novas, a acompanhar o desabrochar vegetal, o acasalamento das espécies, o degelo das longas noites polares… Assim foi, assim será.
Não o reconhecer é demonstrar crassa ignorância acerca da história da Humanidade; é desconhecer a psicologia das multidões; é lutar – em vão! – contra um ritual firmemente entranhado na vida de todas as civilizações. É, mais uma vez, insistir em ver apenas números onde seria preferível ver também pessoas!

[Publicado no Jornal de Cascais, nº 300, 08-02-2012, p. 6].

2 comentários:

  1. Texto excelente pela erudição, aplicação de conceitos da Sociologia e da Antropologia e pelo primoroso uso das palavras.
    Norma Musco Mendes (Professora Associada da Universidade Federal do Rio de Janeiro)

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