terça-feira, 16 de fevereiro de 2021

Agrada-me a sua resistência…

        Não é porque dietistas proclamem os seus elevados benefícios para a regulação intestinal, prevenção de ataques cardíacos e diminuição da vontade de comer. É porque também me agrada a luta que tenho de travar para a partir. Precisa-se de escolher bem o jeito, aperta agora, tenta outra posição… E vem depois aquele estalar dolente, rachado, como num estertor raivoso: «Eu não queria que me abrisses!»…  

      
Habituei-me a comer duas ou três nozes enquanto a gente se arruma à mesa. E, para além dessa resistência que me agrada, confesso que não resisto a admirar a forma inteligente como o fruto por completo se torceu para aproveitar todos os recantos disponíveis. Inconcebível engenharia divina!
            Outro dia, escrevia-me Júlia Nery: «Estou a ler os textos, saboreando conteúdo e escrita, "como quem trinca  bagos de romã sumarenta"». Também a romã me encanta. Aliás, sempre encantou o Homem, os Romanos quase lhe prestavam culto como manjar dos deuses… Encanta-me o trincar, mas encanta-me sobretudo ver como a Ana precisa de ter um cuidado enorme, ao descascá-la, para que nenhum bago se esmague, tão imbricados eles estão, tão bem aconchegadinhos!...
            Tive a dita de ler em moço o livro «Belezas Ignoradas», do Dr. Thiámer Topth, professor da Universidade de Budapeste. Comprei a 2ª edição (Coimbra Editora, 1958), que ainda conservo, qual relíquia, a precisar de encadernação cuidada. Foi com ele que aprendi a adestrar o meu espírito de observação e a admirar tantas belezas que me passavam despercebidas. Comecei, inclusive, um dossiê de folhas soltas sobre animais, em que fui escrevendo tudo o que de curioso ia lendo.  Sobre a aranha, por exemplo, um bicho que sempre me cativou, tenho manuscritas nove páginas!
            Copiei do livro «Our animal neighbours», de Alan Devoe (McGraw-Hill, Nova Iorque, 1953, p. 228) a resposta a esta pergunta: como se explica que a aranha não fique pegada à teia como os insectos que ela quer apanhar? É que deixa sempre uma «zona livre», um terreno seguro onde ela se pode emboscar, sem qualquer risco de ficar agarrada! E eu ficara a saber, na página anterior, que a aranha fabrica um fio muito fino de que se serve para tecer os sacos onde guarda os ovos; outro, mais espesso, para apanhar as presas e, à medida que vai e vem na teia, continuamente produz um fio, que é o seu fio condutor! Pensava Ariadne que descobrira uma novidade quando dera ao seu apaixonado Teseu um fio para, desenrolando-o, ele se orientar na saída do labirinto de Creta!...

José d’Encarnação

Publicado em Renascimento (Mangualde), nº 793, 15-02-2021, p. 11.

 

 

 

3 comentários:

  1. Ana Teresa, 16 de fevereiro às 18:01

    A Natureza é incrivelmente perfeita e sempre surpreendente.

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  2. A mim agradou-me ler este texto, didático como todos os que leio aqui no blog, sumarento como a romã. Os resistentes, sejam eles quem, ou o que forem, exercem sempre um fascínio maior em quem os quer vence. A noz é uma maravilha. Quando eu, por graça, disse a um senhor que conhecia que ela tornava as pessoas inteligentes, ele apressou-se a dizer que ia passar a dá-la a um dos filhos, porque ele era muito burro. E de facto os donos das nogueiras de nozes dos arredores não tiveram maãos a medir, daí para a frente. A romã, que sendo linda e recomendada eu detesto abrir (como a Ana) aprendi a consumi-la em sumo, como como vi em Israel e Jordânia. Basta abrir ao meio e usar um espremedor de laranjas. Ah, mas a aranha também é resistente! E pelos vistos com um tipo de cognição de que não podíamos suspeitar, se não soubéssemos como se move na própria teia...Precisamos destes textos, para resistir à depressão causada por estes tempos.

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  3. Ainda a convalescer, não consigo ler bem o textp e reparar nos disparates que ficam: não é nogueiras de nozes, é nogueiras e nozes.; também não é como como vi... é só, como vi; Saudações e um grande abraço muito grato.

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