quarta-feira, 20 de julho de 2022

O cheiro do Barrocal

            Peço perdão. Em Setembro, familiares desafiaram-me para uns dias em Altura e à minha terra natal apenas me foi possível dar um olá fugaz, no abraço terno à tia Chica, de 96 anos feitos. Subi à açoteia da casa onde nasci, espraiei o olhar por essas duas encostas, a que vai do Corotelo para os Vilarinhos e a que desce de S. Romão até à estrada nacional 270. Não agarrei no lápis para escrever impressões; não usei a câmara do telemóvel para fixar uma paisagem que há décadas tenho bem presente.
            Peço perdão, porque foi em Altura, manhã cedo, enquanto o resto do pessoal se aprontava com a pequenada para breve manhã na praia (ai, estes pés à procura de lamejinhas!...) que adreguei pegar numa folha e anotar.
            A casa dava para os campos: alfarrobeiras, oliveiras, amendoeiras, azinheiras, figueiras… O cheiro do Barrocal no seu esplendor! Encantou-me aquela oliveira pequena, úbere de verde azeitona grada, no leito do regato seco e, antes de abalar, lá fui ripar, sem autorização prévia de eventual proprietário, uns quilos que logrei curar a preceito (da retalhada e da pisada) e que me consolou semanas a fio.
            Além, uma capoeira com perus brancos e pardos (sempre em corrimaças, não sabiam estar quietos), garnisés… Também lá no alto, um avião fugia.
            No cimo duma torre, o depósito de água dava altura para as regas, hoje inúteis (nada havia para regar!), mas lá estava a canalização e o fio eléctrico que vida daria a todo o mecanismo.
            Na terra ao lado, uma estufa de framboesas.
            Estufas vira eu, muitas. O sábio aproveitamento de um clima ameno, sem que – alvitro eu – se menospreze o que nos identifica, as tais alfarrobeiras, figueiras, oliveiras e amendoeiras, cujos frutos deveria ser proibido deixar perder.

                                                           José d’Encarnação

Publicado em Notícias de S. Braz [S. Brás de Alportel], nº 308, 20-07-2022, p. 13.

2 comentários:

  1. José d'Encarnação28 de julho de 2022 às 08:30

    De: Cesar Correia
    28 de julho de 2022 07:53
    ...cheiro a Barrocal - do nosso contentamento - que ainda vai escapando ao afã turístico do anafado Litoral do Verão...

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  2. Também concordo com o espírito da crónica: ao Barrocal Algarvio o que é do Barrocal.
    As framboesas sabem bem, mas a moda das estufas (e dos pedidos de verbas para sua manutenção) veio de gente de fora. As culturas locais (alfarroba, oliveiras, figos e passas de uva, além das amendoeiras mais tarde, creio eu) que durante séculos foram a base da prosperidade algarvia, servindo mercados nacionais e a exportação, foram sendo preteridas.
    E aqui para nós: também eu "riparia" umas azeitonas para curar. Aprendi. Desde que, em criança na escola, trocava o meu lanche pela fatia de pão negro com azeitonas de uma colega, ainda não me cansei desses sabores inigualáveis...Muito grata pela beleza bucólica deste texto.

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