quinta-feira, 25 de maio de 2023

Nunca mais!

            Decerto se ouviu de novo, com emoção, tanto no 25 de Abril como no 1º de Maio, o grito «Fascismo nunca mais!». Um bom desejo, de facto – para nós, Portugueses, e para o mundo, quando, agora, se vai sabendo de tantos fascismos por esse planeta além, tanta tortura e mortandade!...

Reencontrei, há dias, a Genoveva.
– Então, já temos novidades em relação à casa?
– Oooh!... Nunca mais disseram nada! Garantiram-nos que voltariam para ver o estado em que se encontra e nada. Nunca mais disseram nada!

«Nunca mais!». O desalento estampado no rosto de quem dispõe de casa pertencente a um departamento do Estado, em mui precárias condições de habitabilidade. Aquando das grandes chuvadas, o telhado abateu. Lá se conseguiu, depois das mais variadas diligências e empenhos, que uns senhores viessem ver o que se passava. Que voltariam, disseram. Não voltaram. Não deixaram contactos. E Genoveva, já septuagenária, o marido com alzheimer, espera. Desespera!
Quando por i tanto se apregoa das casas devolutas, quantas do Estado e de instituições públicas não conhecemos nós!...
Mas, confesso, o que me doeu foi esse «nunca mais» embrulhado na mais profunda melancolia e desvontade de viver assim!...
Claro, também me lembrei daquela tarde em que, regressado da pedreira, ao saber que eu pregara mentira da grossa, meu pai pegou no cavalo-marinho e ameaçou, com voz grossa:
– Tu nunca mais me voltas a mentir, ouviste?
O cavalo-marinho era um pedaço de pneu de camioneta, preparado em jeito de chicote, que pendia atrás da porta. E meu fofo bem sabia quão doloroso ele era!
Preferia que Genoveva me tivesse respondido:
– Ainda não vieram; mas lá virão decerto.
Gostava que esse «ainda não» reflectisse réstias de esperança. E que, aliás, de semblantes carregados, olhares tristes, a expressão «nunca mais» começasse a ser visceralmente banida, substituída por um sorridente «ainda não». E não é que – com esse, mais suave, ‘ainda não’ – até nos sentiríamos melhor?!...

                                                                       José d’Encarnação   

Publicado em Renascimento (Mangualde), nº 844, 15-05-2023, p. 10.

 

1 comentário:

  1. Ho impiegato un bel po' di tempo per capire tutto, almeno spero, ma è molto toccante quello che scrivi.
    Caramente. Eugenia

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