sábado, 19 de outubro de 2024

Desculpas

            Passado o tempo estival em que, quer chova quer vente quer haja um calor de rachar, ainda nos habituámos (nós e as instituições) a, no possível ripanço de férias, deitar contas à vida e fazer projetos. Multiplicam-se, por isso, em Setembro e em Outubro, as iniciativas, nesta vontade em que todos andamos de fazer, fazer, fazer, antes que seja tarde, antes que o terramoto surja ou aquela desvairada bomba catapultada por desvairada gente a todos nos leve desta para melhor.
            Por conseguinte, queiramos ou não, temos de pegar na agenda, dado que ainda não é tempo de nos fecharmos no casulo ou numa qualquer arca encoirada. Vamos deixar isso para daqui a muitos anos (esperança vã, mas também se diz que a esperança não pode sequer fenecer). E, avaliadas as propostas, aceitar-se-ão umas em detrimento doutras.
            Quando as descartadas até são de alguma monta, há que descobrir uma desculpa, que é, como a palavra indica, uma forma de dizermos quanto estamos penalizados, quanta culpa sentimos, por não podermos aceder ao convite.
            Engendra-se, por vezes, o que se chama uma desculpa ‘esfarrapada’, porque, amigo, aqui para nós, quando não nos apetece mesmo sair de casa e ir à exposição ou à apresentação do livro ou àquela inauguração, porque lá iríamos encontrar fulano ou fulana e já chega o que aguentámos no passado… se não nos apetece, qualquer desculpa serve, mesmo a mais mirabolante. Aliás, amiúde o que ora acontece é que não se apresenta desculpa nenhuma e, depois, quando nos perguntam «Ai houve? Não recebi comunicação! Sabes, hoje a Internet funciona cada vez pior, anda tudo sobrecarregado, ele há bué de mensagens que se perdem!»…
            Andas numa fona a – finalmente! – arrumar os livros. Decidiste agora que essa é  tarefa inadiável e que não pode parar. A amiga do peito vai apresentar um livro; seria uma ocasião de a reveres e, até, de espaireceres um pouco dessa árdua tarefa dos livros. Preferes não ir. Mais tarde arrependes-te, porque perdeste uma oportunidade e os livros ainda continuam por arrumar, porque, a dado momento, deparaste com um de que já te não lembravas e paraste a reler…

                                                                       José d’Encarnação

Publicado no jornal Renascimento (Mangualde), nº 870, 15-10-2024, p. 10.

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