sábado, 22 de dezembro de 2012

Burro, albarda e garrocho…

           Nem sempre conseguimos resistir, na actual conjuntura, a usar de expressões que dantes tinham um significado específico, mas cedo o transcenderam para, com base na realidade quotidiana de antanho, adquirirem uma nova conotação. Quanta vez, ao ouvirmos medidas que os teóricos dizem querer introduzir nas nossas vidas e na vida do País real, nos vêm à boca frases como «Bolas, que é torto que nem um garrocho!» ou «Está bem, albarda-se o burro à vontade do dono». E «albardar» lembra-nos também aqueloutro petisco em que nossas avós eram peritas: tiravam a sardinha da salmoira, onde a haviam guardado para os tempos de penúria, passavam-na por farinha e ovo e… lá vinha para a mesa a sardinhita albardada. A farinha ainda era a do trigo que se moera na mó manual que havia em casa ou se trouxera do moleiro; o ovinho ia-se buscar à cesta, onde pontualmente, todos os dias, se punham dois ou três tirados da capoeira. Cenas que estão muito longe, sem dúvida, da vida dos que gizam leis a regra e esquadro, hauridas em eruditos manuais...
Por isso, dizemos que são tortos como o garrocho, o tronquito em jeito de U bem largo com que se apertava a cilha na albarda; tortos por não verem direito. E, se peremptoriamente mandam fazer algo que a experiência multissecular ditou estar errado, encolhemos os ombros e… que se albarde o burro à vontade deles, que vão ver como depressa dão com os costados no chão!... Burros, porém, lhes não chamamos – que é o burrinho um animal bem inteligente e por isso há cada vez mais campanhas para o proteger. O burro animal, entenda-se!...

Publicado no mensário VilAdentro [S. Brás de Alportel], nº 167 (Dezembro 2012) p. 10.

Post-scriptum: Não resisti a não ilustrar aqui esta nota com o magnífico instantâneo captado pela objectiva de Marlene Guerreiro, vereadora da Câmara Municipal de S. Brás, em plena Serra do Caldeirão. Bem haja, Amiga!

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