quarta-feira, 5 de março de 2014

Na prateleira - 18

Tinha que ir arrumar
            A Inês encontrou finalmente o rolo que precisava. Trazia outro na mão, mas não era o que pretendia.
            – Sabe, minha senhora, onde poderei encontrar um rolo?… – E explicou as características do que procurava à empregada do supermercado. Afinal, estava mesmo ali. Óptimo!
            – Desculpe, eu trazia este. Posso deixar aqui?
            – Poder, pode! Mas depois eu tenho de o ir arrumar!....
            – Ah! Pois é, desculpe, deixe estar que eu vou, não se incomode!

As pausas aumentam a produtividade!
            Deu conta o jornal I, na sua edição do dia 25 de Fevereiro, das conclusões a que chegara Alexandra Pereira, na tese de mestrado defendida no Instituto de Psicologia Aplicada da Universidade Europeia:
            «Os minutos ‘despendidos’ a fumar um cigarro, a beber um café com os colegas ou, simplesmente, a trocar dois dedos de conversa, contribuem para aumentar a produtividade dos trabalhadores».
            Essas pausas, continua a nota, «ajudam a combater a fadiga ou o bloqueio mental, a descomprimir, e – o mais importante! – a aumentar a energia e a produtividade do trabalhador».
            Uma tese em Ciências Humanas, claro! Daquelas que são malditas pela ‘inteligência’ dos governantes e, ao que se sabe, até pela dos mui dignos gestores de entidades como a Fundação para a Ciência e a Tecnologia, pois, para eles, Ciência e Tecnologia pouquíssimo têm a ver com ‘isso’ das Ciências Humanas, das psicologias, das sociologias e disparates afins...
            Não antevejo, pois, futuro risonho para Alexandra Pereira, dado que rema contra a maré.
            Mas, em todo o caso, fique a saber, menina, que tem todo o meu apoio. Que também eu sou dessa opinião e clamo contra os estúpidos princípios economicistas que ditaram a supressão dos feriados; que aboliram a recompensa em dias de férias para quem não faltasse ao trabalho durante o ano; que aumentaram o horário de trabalho diário. Estou contra, como muita gente está, porque se parte de um pressuposto errado: «Quanto mais horas de trabalho, maior é a rendibilidade». Pois. Se tivessem estudado Psicologia e não pelo estreito Manual do Economicista, saberiam que o rendimento do trabalho é proporcional à motivação, ao empenho pessoal, ao gosto pelo que se está a fazer, sem olhar para o relógio e pensar que faltam 29 minutos e meio para eu me pôr a milhas daqui!... A senhora, empregada da grande superfície, com quem a Inês falou e a quem não apatecia ter de ir pôr o rolo no lugar, estava, certamente, a contar os minutos que faltavam para sair e não o tempo em que ainda ali poderia estar a ser útil a si e aos demais, olhando para a vida com serenidade e boa disposição. Se calhar, um dia destes, é capaz de querer ter um rolo para arrumar e… será tarde de mais!
            Gostaria eu que não fosse tarde de mais para os que pensam estar a governar os países europeus pararem um pouco em reflexão e olharem, com olhos de ver, para o mundo concreto que os rodeia, não para aquele que imaginam. Homens, mulheres não são máquinas! Para as máquinas serve a Ciência e a Tecnologia; para as pessoas, servem outras ciências, aquelas que conhecem o valor de um sorriso, de uma palavra dita no momento certo.
            A Noémia passou o semestre a faltar. Veio duas vezes às aulas, para fazer os testes. Umas olheiras!... Aluna do turno da noite. Reprovou por faltas à avaliação contínua. O exame da 1ª época, um desastre! O professor não se deu por vencido – porque, ele, tinha estudado não apenas a Ciência que estava a leccionar, mas Psicopedagógicas também (saberão os ‘mandantes’ o que isso é?!...). Insistiu com a Noémia em dois e-mails:
            ‒ Fazes favor, apareces-me na 2ª época! Quero-te lá!
            Apareceu. Banhada em lágrimas. Uma pilha de nervos, porque mais um drama sentimental e familiar sobre ela desabara nessa tarde. Estavam dois professores no corredor. Olharam-na nos olhos. E disseram-lhe que deitasse tudo para trás das costas. O que importava agora era o teste que ia fazer. Ela era capaz! O docente deixou passar algum tempo, contou uma anedota, distendeu o ambiente. E a Noémia, a que só faltava essa cadeira do semestre, passara a todas as outras, obteve, sem favor, 14 valores. O professor rejubilou. Noémia ganhou nova alma. Tenho a certeza de que, mesmo que, já licenciada, comece a vida de trabalho como simples empregada de supermercado, nunca dirá «pois lá terei eu de o ir arrumar e foi a senhora que o tirou do sítio»!...
                        
Publicado em Costa do Sol – Jornal Regional dos Concelhos de Oeiras e Cascais, nº 35, 05-03-2014, p. 6.

 

 

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