domingo, 15 de maio de 2016

Regozijo e apreensão

Perdoar-me-á o leitor se uso título semelhante ao da crónica passada. Poderia ter sido o mesmo, “Indignação e regozijo”, mas pela ordem inversa, porque os factos foi nessoutra ordem que se passaram: primeiro o regozijo; depois, a indignação.
Confesso: hesitei mesmo em falar do que se fez na Parede, a 25 de Abril, devido precisamente a ter ficado muito apreensivo quando, de cravo vermelho na lapela, cheguei junto da minha viatura. Perto, uns senhores que não tinham cravos, apenas blocos numerados… E havia outros noutras ruas…
Era uma tarde bem soalheira, a praia da Parede apetitosa como sempre e na Sociedade Musical União Paredense (fundada a 4 de Março de 1899!) comemorava-se o 25 de Abril. Todavia, como essoutro tema, o da apreensão, foi brilhantemente abordado no programa «Sexta às 9», da RTP 1, precisamente no dia 29, dispenso-me de comentários, a não ser manifestar…apreensão.

Vamos ao regozijo!
Salão nobre restaurado, bonito e cheio. Sessão evocativa e comemorativa do 25 de Abril. O objectivo traçado lia-se no panfleto “25 Abril – 42º aniversário – Ontem, Hoje e Amanhã”:
“Hoje, para lá das ideias legítimas de cada um, é necessário não só manter essa memória como fomentar a consciência de que somos um povo único que deve continuar a lutar, fraternamente, pelos seus Direitos, pelo aprofundar da DEMOCRACIA, mas também por mais AMIZADE”. É que, em rodapé, se lia: “25 de Abril…em cada esquina um amigo”.
Não foi assim nessa tarde: cá fora da colectividade, não havia um amigo em cada esquina; mas…vamos continuar a lutar para que tal desiderato se cumpra!

O programa
Deliciou-nos Joana Alves, bonita voz vinda expressamente da Figueira da Foz, onde ganhou um dos festivais aí realizados e que ficou entre os quatro finalistas do programa The Voice Portugal, RTP 1 em 2012. Acompanhada, ao piano, pelo maestro Sílvio Rajado (de Coimbra). Momento musical apreciado, a que o público correspondeu: as inevitáveis canções de Zeca Afonso são entusiasmantes, fazem-nos bem à alma, sobretudo o «Grândola, vila morena», com que terminámos.
Aproveitou-se a ocasião para apresentar um livro de poemas, bilingue (português e inglês, elegante tradução de Mm Seto) de Carlos Peres Feio. Fora seu primeiro livro Podiam ser Mais, que a Associação Cultural de Cascais teve a honra de editar com o imprescindível contributo da Junta de Freguesia (nessa altura só de Carcavelos), apresentado a 20 de Outubro de 2007. José Proença de Carvalho falou de dizer mais longe, o livro ora publicado, e declamou alguns poemas, função a que o autor se não negou também. Declarou Carlos Feio que a sua poesia é introspectiva e que parte, amiúde, de um pormenor da paisagem, de um estado de alma. Apreciei particularmente “A chave”: tens um castelo de sonho, um palácio de luz, que apenas de longe acarinhas; “Quando te sentires triste, usa então a chave, construída com metal dos dias em noites de luar forjada – e serás feliz”. 72 páginas, 31 poemas para meditar.
E, antes de a Banda da SMUP nos deliciar com um concerto, evocou-se o 25 de Abril. Zilda Silva agradeceu às entidades que haviam tornado possível esta celebração com tamanha dignidade e fez votos para que a descentralização não seja palavra vã. Urge fortalecer a nossa identidade, disse, uma vez que é o poder local o principal motor de desenvolvimento do Portugal democrático. Armando Paulos, presidente da assembleia de freguesia, frisou ser esta uma iniciativa que congregou por unanimidade todas as forças políticas (só a CDU não estava presente, porque havia o tradicional desfile na capital – foi explicado). Incitou Armando Paulos ao aprofundamento da democracia, porque – explicitou – falta completar Abril e urge “defender com unhas e dentes o não regresso ao passado”. Terminou com um vibrante viva ao 25 de Abril, que a assistência aplaudiu.
Iniciada a sessão às 17.45 h – houve problemas de som a resolver e que, mesmo assim, não foram resolvidos de todo –, a banda da SMUP começou o seu concerto às 18.58 h.

                                               José d’Encarnação

Publicado em Costa do Sol – Jornal, 11-05-2016, p. 6,
Dentro, a exuberância dos cravos; fora, a das grilhetas.
Aspecto parcial da assistência
Zilda Silva, a autarca em diálogo
Outra panorâmica da assistência
 Pintora Ana Cassiano; escultor (também eng.) Alberto Simões
de Almeida e poeta Carlos Peres Feio.

1 comentário:

  1. Sempre bom ver como em Portugal a cultura é levada a sério. Há respeito, há participação e interesse, é cultivada. Por cá, no nosso Brasil, talvez pela pouca idade, ou pela vastidão do território, fica muito dispersa, são focos de interesses diferentes.A preservação da memória do povo, se perde.

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