terça-feira, 10 de outubro de 2017

O brilhante exemplo do anedotário português, visto por um alemão

             Peter Koj foi professor na Escola Alemã e viveu em Cascais durante bastante tempo. É hoje, em Hamburgo, um dos paladinos na difusão da língua portuguesa, quer ensinando-a, quer promovendo iniciativas culturais relacionadas com Portugal.
            Tem mesmo uma Associação Luso-hanseática, destinada a intensificar as relações entre Portugal e a Alemanha, designadamente a sua cidade de Hamburgo, que é, como se sabe, uma das cidades alemãs que mais portugueses tem entre os seus habitantes.
            Já publicou vários livros sobre Portugal, um dos quais, com o título «E esta?», foi apresentado recentemente e é uma colecção de anedotas.
            Dizia-se nos tempos da Segunda Grande Guerra: «Se queres ouvir uma boa anedota de guerra, vai a Portugal!». O povo português tem essa grande qualidade de saber rir de si próprio. Isso Peter Koj procurou demonstrar.
            O volume está dividido em capítulos de a a i, de acordo com a temática das anedotas: «Na escola. Ditos da pequenada», «Coisas da religião», «Coisas do amor, da vida conjugal e da família», «No reino dos animais», «Entre médicos e psiquiatras», «Coisas da política, da economia e da vida social», «Entre bêbados, condutores e outros criminosos», «No Alentejo», «Miscelânea».
            Vale a pena transcrever duas passagens do excelente prefácio que o autor redigiu sob o título «O melhor é rirmos… para não chorarmos». Escreve ele, a dado passo, que, em França, há um ditado que diz que os portugueses estão sempre bem dispostos: les Portugais toujours gais. E acrescenta:
            «Em boa companhia, os portugueses gostam de comer e beber, de cavaquear… e de contar anedotas. Assim, de repente, ouve-se alguém perguntar: «E esta?». E logo se contam, à desgarrada, as anedotas alegadamente mais recentes».
            «A anedota pressupõe, portanto», confessa o Autor, «uma certa anestesia moral. Quem levar uma anedota a sério, medindo-a pela bitola moral, corre o risco de regressar a tempos medievais, quando as anedotas serviam de exemplo nos sermões que se ouviam no púlpito. O Humanismo restituiu à anedota o seu direito como 'jogo espirituoso'».
            É um livro bilingue, em alemão na página da esquerda, tendo, na página da direita, a tradução em português; e cada um dos capítulos atrás indicados tem, naturalmente, uma ilustração, uma caricatura que também ela é uma verdadeira anedota.
            Permita-se-me que transcreva duas das 140 anedotas ali contadas.

            66. A reencarnação do burro
            Dois amigos conversam:
            - Na próxima encarnação, gostaria de voltar como burro.
            Resposta do outro:
            - Podes desistir, ninguém volta duas vezes da mesma.

            79. Uma boa pergunta
            Pergunta a médica:
            - A senhora costuma falar com o seu marido depois de ter relações sexuais?
            - Se estou bem disposta e tenho um telefone a jeito, falo sim.

            Mais uma vez se se mostra a enorme capacidade que os portugueses têm de rir de si próprios, de procurar levar a vida a sério, sim, mas bem condimentada sempre com uma excelente anedota.
            Bem-haja, pois, o Dr. Peter Koj por nos brindar com esta colectânea que serve para cimentar mais o elo entre portugueses e alemães, designadamente de Hamburgo neste âmbito cultural e linguístico. Anote-se, ainda, que um dos objectivos do Autor é que o livro «não só contribua para alegrar os leitores, mas que possa servir também para fins educativos, neste caso, para o ensino do Português. Como são escritas num Português contemporâneo e corrente, servem sobretudo para a aquisição de um melhor domínio da oralidade».
            E tem toda a razão!

                                                           José d’Encarnação

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