terça-feira, 20 de outubro de 2020

Canteiro – uma tradição, uma honra!

             Molda-se o Homem ao seu ambiente? Sim, adapta-se! Na montanha, é madeireiro ou pastor; junto aos rios, pesca e cultiva os campos. Carece de alimento, carece de abrigo para se repousar da canseira dos dias. E faz choupana de colmo ou de troncos, adoça grutas, usa o barro ou trabalha a pedra.      

            Assim em S. Brás, nos Funchais, onde o chão se prodigalizava em lajedo fácil de trabalhar. Os trabalhadores punham os bancos a descoberto; os cabouqueiros estudavam o melhor corte; os canteiros presenteavam os clientes com peitoris, ombreiras, lintéis para dar solidez às casas ou, mui simplesmente, lancis para delimitar passeios de ruas e de estradas.

            Não lhes bastava, amiúde, aprimorarem-se no alindar a escopro de dentes as arestas ou a bujardar as superfícies; aqui e além, ia um adorno mais, uma folha, o baixo-relevo dum fruto ou a data da construção e as siglas do nome do proprietário. O canteiro a sonhar escultor!...

            E com viagens sonhava, quando lhe pediam para esculpir um marco quilométrico com os quilómetros a que ficava o destino mais próximo. Letra bem feitinha, a ser pintada depois. E os números que bem se entendessem, mormente nos hectométricos, a que só alguns ligavam importância, mas onde o canteiro se esmerava também: 1, 2, 3… E quanto se orgulhou ao gravar na parte arredondada de cima E. N. 2! Está bem, havia a de Lisboa ao Porto, a Estrada Nacional nº 1, mas esta era muito maior, de Faro a Chaves!... O país de lés a lés! E o canteiro sonhava: como é que seria Chaves? Dizem que há lá uma ponte romana!...

            Afamados, foram os canteiros de S. Brás para as pedreiras de Meknés, em Marrocos, no começo do século XX, com o apoio do vice-cônsul João Rosa Beatriz, e, a partir dos anos 40, para Cascais, onde introduziram novas formas de trabalhar a pedra.

            Canteiros de S. Brás, uma tradição, uma honra!

                                               José d’Encarnação

 Texto que figura numa das paredes da Casa Memória EN 2, em S. Brás de Alportel, espaço museológico inaugurado a 22 de Agosto de 2020.

4 comentários:

  1. Que bonito texto, recheado de palavras saborosas e de belas imagens ligadas ao sonho do canteiro. Que os homens que trabalhavam a pedra, olhando para o chão tinham a alma no céu. Bela homenagem, também, aos canteiros de S. Brás, e que eu já tinha lido na altura da inauguração da Casa Memória EN 2, em S. Brás de Alportel. Parabéns.

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  2. Muito bem!
    Um belo texto que merece fazer parte da memória
    da nossa simpática vila serrenha de São Brás.
    Bem hajas!
    Victor Brito

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  3. Transcrevo, com todo o gosto, o comentário de Paulo Bernardo no FB:

    Paulo Bernardo
    Funchais terra mista entre Bordeira, Machados e São Brás, qual serra Pelada onde não se procurava ouro mas sim a pedra que alimentava, a construção à volta da capital Algarvia. Nessa foto vemos dois artistas de trabalhar a pedra, um dos quais ainda meu primo. Já homens saíram para Monchique, Cascais, Europa e Américas onde deixaram a sua arte, que muitos encanta e que por aqui se esqueceu, foram tempos duros que não são bons de recordar onde a fome se encontrava no fundo da “tarreta” que levava o almoço para quem duramente trabalhava. Este bater na pedra dura deu origem à fileira dos Ferreiros pois sem uma boa alfaia não se pode trabalhar bem a pedra. Dos Ferreiros tivemos também os foles que em grande serviam para avivar as brasas e em pequenos davam música (acordeão) a mesma técnica para dois fins. Esta mistura de esforço, música e riqueza ( pois essa indústria, criava também riqueza) atraiu poetas, pois os músicos Bordeira encarregava-se de os ter, muito perto dos Funchais na casa do Mecenas Zé Catrina, industrial da pedra, António Aleixo teve seu refugiu e muita da sua inspiração saiu do meio pedra. Recordações de uma criança atenta. Um abraço

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  4. Paulo Bernardo
    15 de março às 13:08
    Li com atenção o seu artigo e posso lhe dizer que me caíram algumas lágrimas pela referência à Barraca de Pau, local de muitas histórias que ouvi os meus tios contarem e ainda lá fui devia ter os meus 6 para 7 anos, sei que visitámos alguém que presumo que filho do proprietário do local que era camionista se a memória não me falha, pois queria mais ir ver a Boca do Inferno. Os meus tios foram para Cascais nos finais dos anos 40. Como refere, a diferença do trabalho entre Funchais e Cascais não era nenhuma, até a sua actividade de fazer brita com oito anos era igual, apenas o valor ganho era 4 vezes mais. Por isso a mudança; depois, mais tarde, um foi para o Canadá e outro para a França.

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