quinta-feira, 7 de janeiro de 2021

Que grande seca!...

             Pronuncie-se ‘séca’, vocábulo que tem dois significados principais: o meteorológico, falta de chuva, e o do dia-a-dia, amiúde usado na nossa juventude (e não só!) quando o senhor fazia um discurso que nunca mais acabava e não usava formas de nos chamar a atenção: «ca ganda seca!»…
«O Semeador»
            Neste aspecto – como noutros, obviamente – há que seguir os ensinamentos de Cristo: o pessoal só compreende se lhes falares terra-a-terra, se lhes souberes contar uma história! Não foram isso as parábolas evangélicas? E não estamos nós sempre a referir-nos à parábola do filho pródigo ou à do semeador?... E o que são as fábulas dos senhores Esopo, Fedro e La Fontaine? Pequenas histórias com uma ‘moral’ no fim!
Achei piada ao meu ortopedista, outro dia, quando – para me explicar os exercícios que deveria fazer para retomar a motricidade do braço direito – me falou em «mexa a sopa da esquerda para a direita e depois ao contrário», «varra a cozinha», «limpe o pó à secretária!». E fazia os gestos correspondentes. Não vou esquecer. 
 Sem histórias, um discurso é uma seca. Isso mesmo eu tentei explicar ao Provedor  do Ouvinte da Antena Um neste Verão. Depois do noticiário das 9, havia sempre um minuto de conversa ou, se calhar mais, com um senhor da Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil. Coitado do senhor! O que vale é que não era sempre o mesmo. O mesmo era sempre o que vinha no papel: as perguntas do jornalista e as respostas correspondentes. Ele era proibições disto e daquilo, ele eram recomendações da mais variada ordem para não se perturbar o combate ao fogo!... A gente já nem ligava e via-se mesmo que ambos os interlocutores já estavam fartos daquela lengalenga.
            Ora, se de permeio viesse a história do incêndio do dia anterior, provocado por uma máquina ou por um cigarro, a história do bom combate havido há dois dias, porque a população alertou a tempo, o ouvinte até dizia: «Deixa lá ver como é que foi ontem e o que é que correu bem ou mal!».
            ¿E, aqui para nós, os incêndios são devidos a quê? ¿Não explicou já o Prof. Jorge Paiva que, para evitar o que chama de «piroverões» (verões ardentes), o que é necessário é: a re-humanização das montanhas, pôr lá gente; e, «após os incêndios, arrancar logo a toiça dos eucaliptos e replantar a área com arborização devidamente ordenada»?
            Pois.

                                                           José d’Encarnação

Nota: Reproduz-se o quadro «O Semeador», de James Tissot (Brooklyn Museum).

Publicado em Renascimento (Mangualde), nº 790, 01-01-2021, p. 11.

 

 

 

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