domingo, 18 de abril de 2021

Observação das aves

              Sim, quando era puto, observava-as. As felosas brancas e pretas, os fuinhos, os pardais… Via por onde andavam, os hábitos que tinham, porque o meu intuito, nessa idade e na década de 50 do século passado, a ideia era ser valente, esperto, e a caça poderia ser uma das formas de titilar o meu ego. Chegar a casa, após uma ronda pelas seis ou sete ratoeiras que estrategicamente armara com agüidas de asas brilhantes, o aro recheado, de pendura numa das presilhas das calças. Um aro de arame, que furava a parte inferior do bico do passarinho e, qual caçador ufano das perdizes e coelhos que caçara, eu ostentava os dois ou três pássaros que conseguira apanhar. Havia muitos, as felosas brancas vinham aí por Setembro e comiam amoras e as bagas alaranjadas do trovisco e era nessas moitas que a malta armava as ratoeiras.
            Ao final da tarde, toca a depenar, que a mãe Maria saberia preparar tudo para uns passarinhos fritos, com alhinho inteiro a condizer, para o petisco antes da sopa do jantar.
            Outros tempos, outra idade.
           Consola-me agora ver que um casal de melros adoptou o ninho que, aproveitado do ano passado, quando a romãzeira se limpou, eu pus sob o telheiro, recatado. Lá chocaram os ovos à vez e, nestes dias, é à vez que vão e vêm, a espaços, trazendo no bico o cibo para os dois bicos escancarados, esfomeados, bem abertos assim que sentem pai ou mãe próximos...
            As lições que os pássaros nos dão! De dedicação extrema, de sacrifício também – onde é que há, nesta secura, gostosas minhocas e outros vermes que se deixem apanhar?
A observação das aves. Birdwatching, em linguagem internacional. Uma das práticas constantes do turismo de Natureza. Dela falei abundantemente nas aulas de Património Cultural da licenciatura em Turismo da Lusófona. E uma razão pessoal havia: é que um grupo de ingleses, amantes da Natureza, foi, na Primavera de 1989, à ilha de Great Abaco (Baamas), para observar as aves da ilha. E que raras e bonitas que eram! Uma delas escapuliu-se pelo chão e o senhor, admirado, foi-lhe no encalço. Era uma gruta! E, numa das paredes, havia gravada uma caravela portuguesa e a data de 1460! E Vasco Graça Moura mandou-me ir lá atestar a autenticidade do grafito. Sim, era autêntico, mas… de há meses! Perdeu-se a oportunidade de carimbar para um português a descoberta da América; ganhou-se o interesse pelas enormes lições que as aves nos dão!

José d’Encarnação

Publicado em Renascimento (Mangualde), nº 797, 15-04-2021, p. 11.

2 comentários:

  1. Boa noite Zé (Prof. Doutor José d´Encarnação).
    O texto é delicioso. Aquele menino que comia os passarinhos, hoje apreciador das suas andanças tão organizadas, sempre termina (ou vai pontilhando) os belos textos com umas notas de humor. Então os grafitos da caravela nas paredes da gruta eram autenticamente recentes...Também tenho o privilégio de observar os melros logo pela manhã. E tento descodificar-lhes as brincadeiras e o canto, Porque se há coisa bonita na Natureza são as aves em liberdade, mas não para comer...

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  2. O melro pai gosta de me vir observar. Bem, a mim ou aos bichanos, não sei.

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