sexta-feira, 17 de dezembro de 2021

E qual é o melhor prémio?

            Para os pais, o melhor prémio é terem logrado condições para os filhos singrarem por si na vida.

Para o jornalista, o melhor prémio é saber que o lêem, independentemente de concordarem, ou não, com as suas opiniões. Centenas de visualizações de algum dos seus textos bem lhe titilam o ego!

Para o sacerdote, o melhor prémio é sentir partilhada por muitos a sua forma de encarar a existência, a vida em comunidade, o caminho a conscientemente palmilhar a fim de uma realização em plenitude.
Para o professor, o melhor prémio é suscitar nos seus alunos entusiasmado interesse pela disciplina que lecciona.
E para o escritor, qual será o melhor prémio?
Ocorreram-me estas questões, devido a duas cerimónias a que tive o gosto de assistir. Uma, com pompa e circunstância, no dia 25 de Novembro, no auditório do Casino Estoril: a entrega do Prémio Literário Fernando Namora a Francisco José Viegas, pela obra «A Luz de Pequim», e do Prémio Literário Revelação Agustina Bessa-Luís, a Marta Pais de Oliveira, pelo seu romance «Escavadores». Outra, no dia 8 deste mês de Dezembro, pelo Facebook, a proclamação dos três primeiros classificados do Prémio Oceanos.
Em relação a este último, foi dito que haviam concorrido 3885 (!) trabalhos, propostos por mais de 300 editoras. O primeiro galardão coube ao romance, de Luís Cardoso, «O Plantador de Abóboras». Luís Cardoso, natural de Timor, vive em Oeiras, já tem livros publicados a evocar momentos e tradições timorenses, e sagrou-se, pois, como o primeiro escritor timorense a conseguir tal distinção. E, se bem compreendi, o seu livro conta as vicissitudes por que passou o povo timorense ao longo da história e tem por objectivo chamar a atenção para a necessidade de se dar mais atenção à agricultura, primordial fonte de riqueza para uma nação.
Na cerimónia do Casino, começou por intervir Mário Assis Ferreira, vice-presidente da Estoril-Sol. Mesmo em ano de má memória, que obrigou a  mui dramática redução de despesas, a empresa persistiu em manter estes prémios, embora as circunstâncias adversas pudessem aconselhar o contrário, pois a promoção da Cultura – as Artes, o Espectáculo, as Letras – constitui a marca de água a que deseja manter-se fiel, um compromisso inviolável. Neste caso, aliás, a crescente participação de concorrentes e a elevada qualidade das obras a concurso mais obrigaram a dar continuidade a um projecto que, conforme Guilherme d’Oliveira Martins de seguida declarou, representa um verdadeiro «acto de coragem» da Estoril-Sol.
Fazendo-me eco do que foi dito acerca dos dois livros galardoados, direi que se salientou, do primeiro, «A Luz de Pequim», a sua forma de interrogar o tempo e o que dele fazemos; é protagonista, mais uma vez, o inspector Jaime Ramos. Perpassa oniricamente pelo segundo, «Escavadores»,  um sentimento de perda.
Chamou-me particularmente a atenção o que José Viegas referiu: há que ter livros que nos ajudem a enfrentar o tempo; a leitura é a mais desprestigiada das artes; têm importância as histórias (ele escreve histórias…) para mostrar que a vida tem sentido …
«A  mais desprestigiada das artes», a leitura. Por isso, eu acho que o melhor prémio para o escritor é ter muita gente que o leia e que compreenda o que ele quer transmitir!

                                    José d’Encarnação

Publicado em Costa do Sol Jornal (Cascais), nº 341, 2021-12-15, p. 6.

1 comentário:

  1. Gostei muito da matéria deste texto, sempre polémica, sobretudo da parte final com a qual concordo inteiramente: o melhor prémio é termos quem nos leia e aprecie, e o diga em mensagens privadas. Mas são os prémios, sempre discutíveis, que dão fama a um autor e lhe abrem portas para poder publicar mais. E quantos escritores soberbos permanecem quase anónimos durante a vida. Glorificados na morte já não interessa. Do Luís Cardoso não conheço (mas tenho muita vontade em conhecer) esse título ganhador do Prémio Oceanos. Gosto muito da escrita dele. Conheço-o do Espaço por Timor, quando lá ia para conversar com outros naturais daquela parte oriental da ilha, a propósito do Mestrado. Fui seguindo o que escrevia desde Crónica de Uma Travessia e acho que tem um estilo próprio de grande beleza estilística.

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