terça-feira, 9 de setembro de 2025

Bichezas

            Tenho uma família de osgas na garagem. Adrego ver, por vezes, aquela a que chamo a matriarca. De pele mais áspera, gorda, dando-me sempre a impressão de que carrega ninhada pronta a nascer. Os elementos jovens vêem-se, de vez em quando, muito quietinhos, olho bem aberto, colados à parede, na esperança de presa que passe por perto.
Falando de ‘presas’, o pensamento vai logo para cenas das savanas de África: leões à espreita da cria de veado que ligeiramente se afaste da manada. Há dias, porém, uma abelhita pairava à minha frente rente ao chão e só quando a vi atirar-se, rápida, para incauta formiga de asa é que percebi a intenção.
 Passo minutos, ao pequeno-almoço, a observar aquela carriça nervosa que saltita de ramo em ramo, no jasmim. Procura lá piolhos ou outros bichinhos, porque debica aqui, debica acolá.
 Simbioses, diríamos. Qual a existente nas bibliotecas antigas, como a Joanina em Coimbra ou a do Convento de Mafra com a colónia de morcegos a catarem inoportunas bichezas.
 Lagartixas há-as também no meu jardim, a gozar o sol, diria eu, embora saiba não ser apenas necessidade de quentura o motivo que a esse pasmo as convida. E sempre que topo uma, me lembro daquela eloquente parábola do conferencista contratado para falar de crítica.
 

 Começou por espalhar uma série de bonitos objetos pela mesa. Entre eles, o balão com uma lagartixa.  Perguntou à assistência o que é que estavam a ver ali.
«Um bicho!», «Um lagarta horrível!», «Uma larva!» – foram as respostas mais frequentes.
E o orador perorou:
– Pois é. Não repararam na beleza das flores nem do colar de pérolas. Só viram a lagartixa. E nem se aperceberam – acrescentou – que o bichinho até era bem simpático!
A conferência sobre crítica acabou aqui

José d’Encarnação

Publicado no jornal Renascimento (Mangualde), 20-08-2025, p. 10.