Tenho uma
família de osgas na garagem. Adrego ver, por vezes, aquela a que chamo a
matriarca. De pele mais áspera, gorda, dando-me sempre a impressão de que
carrega ninhada pronta a nascer. Os elementos jovens vêem-se, de vez em quando,
muito quietinhos, olho bem aberto, colados à parede, na esperança de presa que
passe por perto.
Falando de ‘presas’,
o pensamento vai logo para cenas das savanas de África: leões à espreita da
cria de veado que ligeiramente se afaste da manada. Há dias, porém, uma abelhita
pairava à minha frente rente ao chão e só quando a vi atirar-se, rápida, para incauta
formiga de asa é que percebi a intenção.
Passo minutos, ao pequeno-almoço, a observar
aquela carriça nervosa que saltita de ramo em ramo, no jasmim. Procura lá
piolhos ou outros bichinhos, porque debica aqui, debica acolá.
Simbioses, diríamos. Qual a existente nas
bibliotecas antigas, como a Joanina em Coimbra ou a do Convento de Mafra com a
colónia de morcegos a catarem inoportunas bichezas.
Lagartixas há-as também no meu jardim, a gozar
o sol, diria eu, embora saiba não ser apenas necessidade de quentura o motivo
que a esse pasmo as convida. E sempre que topo uma, me lembro daquela eloquente
parábola do conferencista contratado para falar de crítica.
Começou por espalhar uma série de bonitos
objetos pela mesa. Entre eles, o balão com uma lagartixa. Perguntou à assistência o que é que estavam a
ver ali.
«Um bicho!», «Um
lagarta horrível!», «Uma larva!» – foram as respostas mais frequentes.
E o orador perorou:
– Pois é. Não
repararam na beleza das flores nem do colar de pérolas. Só viram a lagartixa. E
nem se aperceberam – acrescentou – que o bichinho até era bem simpático!
A conferência
sobre crítica acabou aqui
José d’Encarnação
Publicado no jornal Renascimento (Mangualde), 20-08-2025, p. 10.