Tenho uma
família de osgas na garagem. Adrego ver, por vezes, aquela a que chamo a
matriarca. De pele mais áspera, gorda, dando-me sempre a impressão de que
carrega ninhada pronta a nascer. Os elementos jovens vêem-se, de vez em quando,
muito quietinhos, olho bem aberto, colados à parede, na esperança de presa que
passe por perto.
Falando de ‘presas’,
o pensamento vai logo para cenas das savanas de África: leões à espreita da
cria de veado que ligeiramente se afaste da manada. Há dias, porém, uma abelhita
pairava à minha frente rente ao chão e só quando a vi atirar-se, rápida, para incauta
formiga de asa é que percebi a intenção.
Passo minutos, ao pequeno-almoço, a observar
aquela carriça nervosa que saltita de ramo em ramo, no jasmim. Procura lá
piolhos ou outros bichinhos, porque debica aqui, debica acolá.
Simbioses, diríamos. Qual a existente nas
bibliotecas antigas, como a Joanina em Coimbra ou a do Convento de Mafra com a
colónia de morcegos a catarem inoportunas bichezas.
Lagartixas há-as também no meu jardim, a gozar
o sol, diria eu, embora saiba não ser apenas necessidade de quentura o motivo
que a esse pasmo as convida. E sempre que topo uma, me lembro daquela eloquente
parábola do conferencista contratado para falar de crítica.
Começou por espalhar uma série de bonitos
objetos pela mesa. Entre eles, o balão com uma lagartixa. Perguntou à assistência o que é que estavam a
ver ali.
«Um bicho!», «Um
lagarta horrível!», «Uma larva!» – foram as respostas mais frequentes.
E o orador perorou:
– Pois é. Não
repararam na beleza das flores nem do colar de pérolas. Só viram a lagartixa. E
nem se aperceberam – acrescentou – que o bichinho até era bem simpático!
A conferência
sobre crítica acabou aqui
José d’Encarnação
Publicado no jornal Renascimento (Mangualde), 20-08-2025, p. 10.
De: Cristina Matias
ResponderEliminar9 de setembro de 2025 12:02
Bom dia Professor!!
Belo texto, obrigada. Tem uma escrita deliciosa!!
Eu sou de Ciências mas desde minúscula que gosto da arte de colocar as palavras num texto…
Como sempre, um ternurento texto.
ResponderEliminarmjm. 09/9/25
Por bichezas: com estas já me aconteceram episódios de apresentação e boas relações futuras.
ResponderEliminarPrmeiro na Beira Baixa, em certa casa onde havia andorinhas nas paredes. Achei mais graça à lagartixa gorda, dizia eu, e para lhe sentir a textura apanhei um grande susto, porque não era de loiça...fugiu parede acima e arrepiei-me.
Ainda não gosto, mas fico na minha pachorra por saber que não faz mal.
Depois as abelhas: "não se mexa que ela não pica". Ai não que não picou. Fiz um berreiro pelo campo fora que se ouvia a léguas.
Acontece que agora andam por aí vespas asiáticas aos magotes. Fujo de locais onde possam estacionar, mas...
Há dias ofereceram-me umas uvas vindas de longe. Não é para acreditar, mas vinha uma dentro de um bago pronta a ferrar a boca de alguém...E sobreviveu dentro do frigorífico cerca de uma semana!!!
Depois as lagartixas, essas que se nos apresentam como feras quando somos crianças!
A minha relação com elas era péssima. Mais eis senão quando encaro e leio um livro de José Mauro de Vasconcelos, As Confisões de Frei Abóbora...
O contacto com e a descrição de um bichinho desses é de tal ternura, de uma observação tão minuciosa aos olhinhos que parecem uma cabeça de alfinete de costura, que hoje só me apetecia afagar uma lagrtixa da cabeça à cauda.
Não consigo...devem imaginar porquê.
Um texto tão oportuno, tão bonito.
Confissões, pois é claro.
ResponderEliminarDe: joao gouveia monteiro
ResponderEliminarEnviada: 10 de setembro de 2025 12:41
Muito fixe, obrigado pela partilha!
Ao ler o primeiro parágrafo, comecei a pensar nos morcegos da Joanina, que surgem logo a seguir no seu texto... Bem visto.
No domingo passado, o meu curso liceal celebrou os 50 anos da sua formatura, celebração que terminou na minha casa de Cernache. Alguém falou precisamente no valor das osgas e em como não devemos matar este tipo de animais. Somos induzidos a essa repulsa pela educação, como bem documenta a história que recorda no final. O homo sapiens tornou-se o maior predador do planeta, disso já não restam dúvidas.
Abraço amigo e as nossas felicitações por mais esta bela crónica,