domingo, 2 de fevereiro de 2014

Os recursos que só os velhos podem dar

             Li e reli, confesso, o artigo «Envelhecimento e solidariedade», de António Bagão Félix, no Boletim Salesiano nº 542 (Jan/Fev 2014, p. 20-21).
            Admiro, aliás, as suas constantes e desassombradas tomadas de posição, mesmo quando opostas à política levada a cabo por membros do partido a que pertence. Aí reside o seu carisma e a atenção que todos os sectores acabam por lhe prestar: essas afirmações resultam da experiência e, sobretudo, de aturada reflexão sobre a realidade e sobre o Homem. Dizer que Bagão Félix é um humanista de corpo inteiro não constituirá surpresa para ninguém e o facto de, em funções governativas, ter sobraçado, por exemplo, a pasta da Segurança Social determinou muito do que nesse artigo deixou exarado, para meditação.
            «Ser ancião», escreve, significa «a idade em que, na pessoa humana, o ser assume, em definitivo, primazia sobre o ter e o tão-só estar».
            E, embora preconize que se não deve «alimentar uma perspectiva pessimista sobre o futuro da velhice», não deixa de criticamente atribuir a esta «economia sem rosto», a este dominante «individualismo exacerbado» «a solidão, a perda de autonomia, o enfraquecimento relacional» de que ora o mundo padece e que, na velhice, mais cruelmente são realidade.
            Tantos são os recursos de que «os mais velhos dispõem» e que mui gostosamente querem partilhar, numa vida que se pauta «entre o património da memória e a esperança da eternidade»! – frase lapidar de suma beleza e de enorme profundidade!
            Não pode haver, por isso, «o eclipse dos avós no acompanhamento educativo dos netos»: é absurdo privar uns e outros daquela «cumplicidade afectiva» que torna mais risonhas as alvoradas e mais serenas as noites de cada um!...
            Testemunho, sabedoria, ternura, partilha – alguns dos recursos a bem aproveitar!… Bagão Félix toca fundo nas chagas do nosso quotidiano – para que cicatrizem e outras não venham a aparecer!
 
Publicado em Renascimento (Mangualde), nº 632, 01-02-2014, p. 11.

2 comentários:

  1. Alice Alves:
    "Não pode haver, por isso, «o eclipse dos avós no acompanhamento educativo dos netos»: é absurdo privar uns e outros daquela «cumplicidade afectiva» que torna mais risonhas as alvoradas e mais serenas as noites de cada um!..."

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  2. «Envelhecimento e solidariedade»
    ‒ a ilustração de Nuno Quaresma

    Profunda a forma como Nuno Quaresma ilustrou, em pinceladas fortes, o artigo de Bagão Félix no Boletim Salesiano nº 542.
    Qual Padre Eterno de Miguel Ângelo no tecto da Capela Sistina, secundado pela corte celestial, é Deus quem agarra – a custo! – a mão do velhote triste. A mulher fia, como na juventude aprendeu. Por detrás, a bancada está vazia: não há ninguém pra ver a salvação in extremis nem, sobretudo, o homem de negro que voa a quase 290 km/h, super-homem de banda desenhada, mala recheada de notas. A sua mão voraz, de gigante, em contraste com a suavidade da mão divina!... Desgrenhada, entre ele e os velhos, a Mulher, diante de um computador de sangrenta espiral no ecrã. E, bem visível, a saca do dinheiro, a seu lado.
    Ninguém parece ver! Mas eles olham para nós!

    Publicado em Boletim Informativo [Província Portuguesa da Sociedade Salesiana, Lisboa] nº 312, Fev/Mar 2014 p. 27.

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