Por outro lado, não é uma serra ímpar,
a desdobrar-se, sedutora, em colinas e requebros, desde o píncaro da Cruz Alta,
a nascente, até esmorecer no mar? É que a gente acaba por a conseguir abarcar
toda com o olhar! E assim até parece que fica mais nossa!
Por sinal, eu até apreciaria que à
Cruz Alta se desse maior relevo. Sei lá: uma iluminação; o desbaste da
vegetação que a encobre… Claro, podia zangar-se o palácio da Pena, dominador, ele,
dia e noite, a ver-se também de todo o sítio. Mas, com uma conversinha,
resolviam-se eventuais ciúmes e creio que conviveriam bem a cruz e o palácio.
Quiçá, bom exemplo seria de convivência sã entre religião e poder, num ambiente
deveras paradisíaco.
Uma inesperada perspectiva
Fui internado no 6º piso do Hospital de Cascais, com mui preciosa
vista para a serra. E foi uma sensação! Porque tu vês habitualmente a serra cá
de baixo ou, então, entras por ela adentro, saboreias uns medronhos,
inebrias-te de frescura e de ar puro, mas… estás dentro dela! Daqui a sensação
é outra, porque o teu plano de visão coincide com o meio da montanha e ficas
mesmo com a impressão de que estás irmanado com ela.
A serra, neste momento (raro!), desembrulhada de
neblinas, assume daqui um aspecto quase irreal. Também eu nunca me demorara
assim tanto a observá-la, na infinita variedade dos seus verdes e nesse ondulado
das colinas, magas a quererem esconder-nos o que está do outro lado!... Ah! E o
tom amarelo-alaranjado do Palácio da Pena? Não há alternativa: tem mesmo de
dizer-se que é… altaneiro! Como el-rei o mandou plantar, num píncaro que de
todos os lados se alcança – como ele os quereria certamente abarcar a todos.
Aquele palácio assim… tem que ser: presta-se a tudo o que é história de
amantes, de visionários, de paixões, de silenciosos retiros…
Nunca me apercebera também daquela larga mancha
que eu desejaria de seara, com sua casinha de apoio, a espreitar, caiada, sob
uma árvore…
O final do dia
Se todos os momentos do
dia são únicos na serra, há um que reúne em si tudo o que de mais sublime
Sintra nos pode oferecer.
Com Febo (o deus sol dos gregos) a
mergulhar nos braços do Oceano, como escreve Camões n’Os Lusíadas, o poente visto daqui assume colorações únicas, porque
a luz do dia ali vai lentamente esmorecendo, vestindo-se de azul e laranja. E
já, aqui e além, na Biscaia, na Figueira do Guincho, nas Almoinhas Velhas, as
luzes vão surgindo, quais estrelas num firmamento que parece resistir a
adormecer. Só depois, paulatinamente, Malveira, Janes, Zambujeiro darão acordo
de si…
E se olhas para cima? Meu Deus, isto é fumarada
de vulcão? Gordos flocos de algodão, nuvens bem cinzentas e carregadas numa
correria para sul!... E tudo ali, quase à mão de semear, tão perto está. Um
misto de brincalhona correria de crianças e da façanhuda ameaça de um deus
vingador. Que maravilha!
Em baixo, hierático, imponente,
saudoso de vida, o canhão salvaguardado na rotunda parece estar a dizer-me:
‒ Descansa! Amanhã será outro dia e eu vou
vigiar a tua noite!
Publicado em Costa do Sol Jornal, nº 141, 25-05-2016, p. 6.
Serra de Sintra - panorama nascente |
Serra de Sintra - panorama poente |
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