terça-feira, 3 de novembro de 2020

As Artes – necessárias e incompreendidas

 

           Confesso-me fascinado com a iniciativa de as aberturas de um programa televisivo serem preenchidas, ainda que por escassos minutos, por uma coreografia. Também atuações de cantores são mui frequentemente sublinhadas por um corpo de baile. Encantam-me as interpretações coreográficas de uma Companhia Portuguesa de Bailado, por exemplo – e cito estas por serem as que melhor conheço. O coreógrafo a dar forma física a uma melodia, a imaginar os mundos, os gestos, as ideias quiçá sonhadas pelo compositor…

            Diariamente se salienta, neste período pandémico, o papel imprescindível que a Arte nas suas mais diversas modalidades tem desempenhado e continuará a desempenhar. Aqueles músicos vizinhos que decidem ir para a varanda e tocam durante largos minutos para delícia da vizinhança, a distraí-la dos males quotidianos…

            Encanta-me, por isso, que no concurso televisivo Got Talent (só não gosto é do anglicismo, mas isso é outra ‘música’!...) apareçam artistas circenses, bailarinos (aquele ‘menino’ português que tem dado cartas a nível mundial, António Casalinho), grupos de dança…

O filho de uma colega minha estudou violoncelo no Conservatório de Lisboa. Ao fim-de-semana lá ia ele, de comboio, a caminho de Coimbra, sempre de pé, porque no comboio não havia espaço para o contrabaixo. Admiro-o e é bom ver como este instrumento está a ser cada vez adotado para acompanhar inclusive fadistas. A sua sonoridade cava empresta ao conjunto dos instrumentos melancólica profundidade quentinha…

Sónia é uma dinâmica amiga minha. Uma fura-vidas. Por isso – ou talvez não por isso, que a vida está repleta de surpresas e ainda bem, para quebrar eventuais monotonias… – dei com ela, outro dia, a mudar de casa.

– Mudaste de casa outra vez? Arrumações de novo, claro, caixotes, malas, onde é que eu vou pôr isto…

– É verdade, mas tem que ser. Digo-te, porém, uma coisa: os quadros já estão nas paredes!

Congratulei-me. No meio das confusões, queda o olhar na paisagem preferida, naquela simbiose de cores que fomentam serenidade… Bravo, Sónia!

                                    José d’Encarnação

Publicado em Renascimento (Mangualde), nº 786, 01-11-2020, p. 11.

 

 

4 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

    ResponderEliminar
  2. Gosto muito da oportunidade deste texto. Em tempo de pandemia muitos artistas das várias modalidades, sempre com vidas economicamente precárias, ficam em situação desesperada. Tudo porque os poderes não consideram o que eles fazem como um trabalho. E apesar disso, como os exemplos aqui descritos evidenciam, eles continuam a compor, executar, representar ou pintar apenas por amor ao que fazem. Entendem eles, e significativa parte da população que é a beleza das artes que nos salva. Como dizia Nietzsche "Temos a Arte para não sucumbir à realidade". Que bela forma de chamar a atenção para o que se passa, prezado José d´Encarnação.

    ResponderEliminar
  3. O pro-fessorJosé D'Encarnação sempre foi um lutador,lutador por aquilo em que acredita!
    Não surpreende que o trágico momento que a nossa civilzação o tenha inspirado a realçar o importante papel que a arte reprsenta. Também ele é, afinal, um artista! A comnidade onde nasceu e a onde vive, muito têm benificido com isso!
    Victor Brito
    Autor do livro sobre aviação "MY WAY"

    ResponderEliminar
  4. Em jeito de comentário, tomo a liberdade de revelar a identidade o filho da minha colega Doutora Margarida Neto: é o João Fragoso. Pode ouvir-se em:

    https://www.youtube.com/watch?v=kwSISYIUQp8&feature=youtu.be&fbclid=IwAR1ogS5xSVI9dT-a-B8OJbkNGVWCFR4H5FbZbYRHH5UIYoMhweJVGdmjP3E

    um dos concertos dos muitos que, durante a pandemia, ele e a sua amiga bielorrussa: Katerina L' Dokova deram a partir de casa dela que fica num 4º andar sem elevador…
    Katerina tem uma voz muito bonita, que pode ouvir-se na sua página.
    Fico muito contente por me ser possível fazer esta divulgação.

    ResponderEliminar