domingo, 4 de abril de 2021

O mistério da mina-galeria

            Aquelas entradas escusas, meio escondidas por entre a vegetação, despertam a curiosidade, acicatam a imaginação. Quantos de nós não recordamos idas à socapa da autoridade paternal para aquela caverna?! Que estaria lá dentro? Só morcegos pendurados? Algum tesouro? Recordo os olhos iluminados dos meus netos quando lhes propus entrarem comigo nas «misteriosas galerias» (disse-lhes eu) da Quinta da Regaleira, em Sintra! E, em moço, como eu gostava de espiolhar tudo o que, por essa Serra de Sintra, parecia escondido atrás das penedias!...
            Não me admiro, pois, que a mina-galeria da Quinta da Soenga bailasse amiúde no pensamento de José Manuel Azevedo e Silva. E foi esperando, esperando, até que não resistiu. Sabia ele que o Canto tivera judiaria; mas judiaria sem sinagoga é como pão sem fermento! «Os topónimos Canto e Mortórios instalara no nosso espírito a hipótese, a forte probabilidade, quase-certeza, de que a sinagoga estava na mina-galeria» (p. 9).
            Assim se explica a razão da escolha da capa apresentada na crónica do passado dia 1: uma luz ao fundo de escuro túnel! Azevedo e Silva entrou na mina, interpretou os «desenhos de simbologia judaica gravados na rocha granítica» e logo pensou que deveria trazer toda essa realidade «à superfície com a ilustração fotográfica».
           O seu livro «A Judiaria do Canto, Tibaldinho, Mangualde – Um caso único em Portugal e no mundo» vale, pois, por essa ‘reportagem’ muito bem acompanhada por outras fotografias deveras elucidativas (capítulo III), pelo texto explicativo e seus anexos.
            Não quis deixar de, a princípio, mormente para os seus compatrícios, gizar a traços largos o que foi a odisseia judaica nas terras peninsulares, a necessidade de às ocultas – aqui, concretamente, nas entranhas da terra – praticarem as suas devoções, como os antigos cristãos haviam tido necessidade de fazer nas catacumbas de Roma.
            O I capítulo trata dos Judeus em Portugal. Não é apenas uma súmula do que se conhece, mas também uma chamada de atenção para a mobilidade que levou os cristãos-novos a fundarem núcleos rurais, de que o autor refere 34 casos na Beira Alta, com destaque para a comunidade judaica de Belmonte. Trata o capítulo II da judiaria do Canto, bom pretexto, por exemplo, para incursões no teatro de Gil Vicente. Então não é que há um pastor Tibaldinho no Auto de Mofina Mendes?...
             Enfim, pela saborosa pena do Doutor Azevedo e Silva há todo um mundo, porventura ignorado, que se ressuscita. E ainda bem!
                                                                                José d’Encarnação

Publicado em Renascimento (Mangualde), nº 796, 01-04-2021, p. 11.

 

1 comentário:

  1. De facto,se uma informação não for escrita e publicada, o que ela contem vai pª o baú do esquecimento. Seria uma pena se se perdesse tanta coisa nova e desconhecida, pelo menos para mim próprio.
    Bem hajas meu ilustre amigo José D'Encarnação
    victor brito

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