No Dia Mundial
da Língua Portuguesa, a quinta mais falada no mundo, uma reflexão sobre a nossa
forma de agradecimento.
Numa das vezes
que passei por Castelo Branco, concretamente em 2010, a Dra. Clara Vaz Pinto, então
directora do Museu Tavares de Proença, mostrou-me a vernaculidade do
agradecimento à moda beirã: «Bem hajas!».
Desde então, passei
a privilegiar essa forma, de tal modo que, em 17 de Novembro p. p., ao usá-la no
restaurante «A Brasa», em Riachos, o dono me perguntou se eu era de Castelo Branco,
porque ele vivera lá uns tempos e também ele ficara com esse jeito de agradecer,
em vez do «obrigado!». Não me agrada, de facto, ouvir «obrigada!» ou «obrigados!»,
embora me enterneça o «obrigadinho!»…
«Bem hajam!» –
o nosso desejo de que, em reconhecimento do que nos fizeram, as pessoas passem
bem, tenham saúde e se concretizem os objectivos que fixaram para o seu viver!
Todo um programa, portanto! Não mensagem apenas para o momento, mas projecção
de futuro, como quem diz «haja saúde!».
Achei, por
conseguinte, a expressão deveras adequada ao que um agradecimento pode consubstanciar.
Outro dia,
porém, amigo meu enviou-me o vídeo em que o Professor António Nóvoa, por
ocasião do III Encontro PIBID UNESPAR,
realizado em Setembro de 2014, na Universidade Estadual do Paraná, no Brasil,
sob o lema «Formar Professores para o Futuro», dissertou sobre o significado da
gratidão.
Pegando no Tratado
da Gratidão de S. Tomás de Aquino, explicitou que há três níveis de gratidão: o
mais superficial, o cerebral, do reconhecimento intelectual; o 2º, o de dar
graças a alguém; e o 3º, o mais profundo, o nível do vínculo, de nos sentirmos vinculados
e comprometidos com a outra pessoa.
Assim,
em inglês («thank you») ou em alemão, agradece-se no nível mais superficial da gratidão,
estamos a agradecer no plano intelectual. Na maior parte das línguas europeias,
agradece-se no nível intermédio, «merci» (em francês), «grazie» (em italiano),
«gracias» (em castelhano): estou a dar-lhe uma mercê, uma graça. Só em português
se agradece no 3º nível, o mais profundo: digo «obrigado!» para significar que «fico
obrigado perante si, criei um vínculo, comprometi-me ao diálogo e a mantê-lo».
Por isso, professor terminou dizendo «Obrigado!».
Lembrei-me
de imediato daquela linda passagem do «Principezinho» de Saint-Exupéry, quando a
raposa lhe diz «cativa-me!», porque cativar significar ‘criar laços’:
«Tu
para mim ainda és só um rapazinho parecido com cem mil rapazinhos. E eu não preciso
de ti. E tu também não precisas de mim, Eu para ti sou só uma raposa parecida com
cem mil raposas. Mas, se tu me cativares, passamos a ter necessidade um do
outro. Tu serás para mim único no mundo. Eu serei para ti única no mundo…».
Por
isso, mais adiante na conversa, a raposa acrescentaria:
«Só
se conhecem as coisas que se cativam. Os homens já não têm tempo para conhecer.
Compram as coisas feitas nas lojas. Mas como não existem lojas de amigos, já não
têm amigos. Se queres um amigo, cativa-me!».
Volto,
pois, a usar o «obrigado!».
E
digo-lhe ‘bem haja!’ por ter conseguido ler-me até ao fim!...
José d’Encarnação
Publicado em Duas Linhas, 05-05-2022: https://duaslinhas.pt/.../a-originalidade-do-nosso-obrigado/
Em comentário ao texto supra, que lhe foi dado a conhecer por meu prezado amigo José Belchior, companheiro nas lides da SBA Revista de Cultura, o Dr. Leal Paiva, «natural da Guarda e destacado dirigente académico (AAC), em 1962, na Universidade de Coimbra», deu-lhe a conhecer este «complemento que, com o maior gosto compartilho» (escreveu-me):
ResponderEliminarJá há bastante tempo fiz uma análise escrita do conteúdo de “obrigado” na peugada do Prof. Sampaio da Nóvoa. Deixa-me dizer-te que também gosto muito do “bem haja” ou “bem hajas” que se usa na Beira Alta, mais do que o “obrigado”. Em miúdo era a nossa forma normal de agradecer.
Curiosamente também se usava o obrigado mas como se ignorava a razão de ser, o uso era em função do género: os homens diziam obrigada às mulheres e estas diziam obrigado aos homens.
Também na Beira Alta havia outros usos sociais muito sui generis. Quando se oferecia uma bebida a uma visita, esta agradecia, antes de beber, desejando-lhe vida: “Lá vai para que viva!”. O visitado desejava-lhe, em resposta, que a bebida lhe fizesse bem: “Que lhe preste!”
Eu achava isto uma delícia.
Deixei umas palavras sobre esta publicação no Duas Linhas no dia 10 de Maio. O texto é muito interessante, ajuda-nos a reflectir nas "pequenas" coisas do quotidiano, ou nos remates (e como eles são importantes) das formas de comunicação interpessoal.
ResponderEliminarNão era anónimo, o comentário anterior. Daí que volte para deixar a "assinatura"
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