Apetecia-me pôr
acento grave no e, contra todas as regras; mas não é preciso, que o z
tudo esclarece. Quero, porém, que se distinga bem de ‘mesinha’, palavra que
evoca aconchego, enquanto mezinha nos leva para o lado menos agradável da vida,
ainda que envolto naquele manto suave das coisas meio ocultas, a sabedoria dos
nossos antepassados, o recanto onde, um pouco às escondidas, a senhora de
virtude esconjura os maus espíritos…
– Ó homem,
nem queiras saber, o moço só me dá fezes! E fezes sem mezinha, essas, sem
mezinha!
Estamos, pois,
no sentido figurado da palavra, bem conotado, no entanto, com o que de menos
agradável as fezes têm – e, por isso, sempre as queremos expulsar e preocupados
ficamos quando começamos a sentir que as maganas não querem.
Surgiu-me a curiosidade:
donde vem a palavra «fezes»? Donde vem a palavra «mezinha»?
Pasmei.
Deriva a
primeira do latim ‘faex’, que tem o plural ‘faeces’. Ora,
em latim, ‘faeces’ são as borras do vinho ou do azeite, o resíduo de qualquer
coisa, o sarro do vinho, o depósito que fica no fundo da garrafa. O termo ‘fecal’
vem daí. Também pode ser (abrenúncio!...) uma pintura para a face!...
Fiquei esclarecido.
E encantado também, por o povo saber, mesmo no seu dia-a-dia, sem estudos, usar
imagens literárias prenhes de significado. Que piores ‘fezes’ pode haver senão…
as verdadeiras? Daí que, amiúde, para elas, no linguajar quotidiano, a uma
pessoa apeteça mandar a outra para lá!...
Vamos, então,
à… mezinha!
E também pasmei,
porque ‘mezinha’ vem do latim ‘medicina’. Ou seja (e os senhores médicos
que se aguentem no balanço!), o medicamento por excelência! E há um pormenor não
despiciendo: é que o significado primeiro de mezinha é… «líquido para clister»!
Daí a sábia junção popular entre ‘fezes’ e ‘mezinha’ e a riqueza semântica
(diriam os eruditos!) da frase «Aquilo são mesmo fezes sem mezinha»!
José d’Encarnação
Publicado em Notícias de S. Braz [S. Brás de Alportel], nº 311, 20-10-2022, p. 13.
Como sempre, gostei de ler este bocadinho de si. Foi uma mezinha para as fezes do dia a dia. Um beijinho. Julieta lima
ResponderEliminarBem haja, Julieta! Beijinho!
EliminarEis como saber latim poderia ser mais bem aproveitado, mas agora só se usa o linguajar electrónico/informático do americanismo! Abraço da Vanda ( Madeira)
ResponderEliminarBem hajas, Vanda, por teres aproveitado para enaltecer a importância do latim para a cultura geral. Um abraço cá do continente!
ResponderEliminarSabiamente conciso e claro, bem moldado, sem obstipação mental ou verborreia diarreica, comum nos nossos dias. Sabe bem ler, e reler, para melhor compreender e aprender. Obrigado Senhor Professor por mais esta sua subtil e humorada lição.
ResponderEliminarGostei muito. "Crónica sábia", infelizmente pouco frequente na nossa comunicação social. Abraço do Antão
ResponderEliminarFezes sem mezinhas ou com mezinhas.... Vamos diretos ao assunto. Vai às fezes... vai às mezinhas... soa a falso! Vai à merda soa a vernáculo.
ResponderEliminarLembro-me de uma minha amiga e conterrânea se repimpar a pronunciar a palavra "merda", dizendo que é sonora. E exemplificava, silabando: mer da; mer da.
Um abraço
José Azevedo