terça-feira, 1 de novembro de 2022

Falando de baluartes reabilitados e a reabilitar…

            A propósito da história de Cascais no período filipino, ou seja, de 1580 a 1640, teceram-se considerações não apenas sobre as razões por que se perdeu a independência e foi fácil a invasão de Portugal pelas tropas do Duque de Alba, mas também sobre o clima de entusiasmo que, a dado momento, sugeria a vinda da Corte para Lisboa, porque a cidade era mesmo digna de ser capital de Portugal e de Espanha!...

            O entusiasmo foi, no entanto, cedendo ao desânimo e um grupo de conjurados, aproveitando a ida das tropas espanholas para a Catalunha, onde a revolução pela independência rebentara, matou Miguel de Vasconcelos, que, embora português, era o esbirro do rei Filipe II. E tudo se começou a preparar para repelir os ataques que de Espanha não tardariam.
            Por isso, na década de 40 do século XVII se levantaram fortificações em toda a orla marítima[JE1]  desde o Abano até Pedrouços, para defender a capital, pois se não havia esquecido que as tropas do Duque de Alba haviam entrado calmamente pela Laje do Ramil, ali ao pé do farol da Guia.
            Esgotada, mormente após a Revolução de Abril de 1974, a função bélica desses equipamentos fortificados, o Estado depressa pensou em se libertar deles. Boa parte foi, pois, negociada com o Município de Cascais.
            Entre os assistentes da conferência realizada no passado dia 7, precisamente num desses fortes, o de S. Jorge de Oitavos, estava o Coronel Alpedrinha Pires, da Associação dos Amigos da Artilharia de Costa, com quem, no final, tive oportunidade de trocar impressões, nomeadamente a propósito da recente entrega ao Município da bateria da Parede. Apesar dos estragos que o abandono permitiu, poderá essa bateria vir a ser um excelente lugar para se compreender o que, ao longo dos anos, se fez para a defesa de Lisboa.
            E veio a talhe de foice, falar da bateria de Alcabideche, de que está hoje à vista um dos seus poderosos canhões, no logradouro do Hospital. E informou-me Alpedrinha Pires que Paula Moura Pinheiro fizera sobre o assunto um dos seus programas Visita Guiada. Fui ver e recomendo a quantos estejam interessados nesse tema. O endereço é: https://www.rtp.pt/play/p8647/e536716/visita-guiada.
            Uma visita que, infelizmente, já se limitou a muito pouco, porque o demais jaz inacessível. Permita-se-me, pois, que recorte do livro Dos Segredos de Cascais um trecho descritivo da visita pormenorizada que me foi dado fazer em Outubro de 2004:
            «Aventuramo-nos, como toupeiras. A retina, depois de longos minutos, começa a adaptar-se à escuridão mais completa. Minúscula casa-de-banho, aqui, logo à entrada. Depois, um corredor estreito. Álvaro Isidoro, o nosso fotógrafo de hoje, faz milagres para fotografar às escuras, com o fiozinho de luz que a pequena lanterna lhe proporciona.
            Uma claraboia aqui, outra acolá. Pequeninas. Aqui é o paiol das cargas. Estas madeiras eram os suportes delas. Ali, os geradores: o grande, um monstro, e o alternativo; este, o hidráulico, para movimentar a peça. É de tacos o chão; estão forradas de madeira as paredes até meio (nada pode produzir qualquer faísca). Estamos junto ao elevador das cargas para a peça. Este é o bocal para as comunicações – um processo primitivo mas extraordinariamente eficaz. E ainda em excelente estado!
            E de pronto sonhamos com o museu – claro está!».

                                                                                               José d’Encarnação

Publicado em Duas Linhas, 12-10-2022, https://duaslinhas.pt/2022/10/falando-de-baluartes-reabilitados-e-a-reabilitar

Laje do Ramil: o ponto de desembarque dos Espanhóis

O forte de Oitavos inteiramente recuperado
 

O canhão de Alcabideche visto do hospital de Cascais
Bateria do Alto da Parede

Bateria da Parede - Sala do comando (em Agosto de 2004).

 



1 comentário:

  1. Comentei este belo texto, talvez só no Duas Linhas. Até porque conheço alguns destes fortes e fui muitas vezes ao espaço da Bateria da Parede, donde se avista o mar, ainda...
    As moradias da urbanização dos Jardins da Parede já quase chegam aos terrenos. Imaginem que os adeptos do betão e do lucro resolviam conseguir o espaço para construir uns prédios de andares, e lá se perdia a função didáctica da aquisição destes baluartes.
    Sorte que também tenho o livro SEGREDOS de CASCAIS...

    ResponderEliminar