sexta-feira, 20 de dezembro de 2024

Vítor Barros, o filho e o poeta

            

            Voltei a saborear «As mãos murchas«, o texto com que Vítor Barros, na edição de Setembro, quis homenagear a sua mãe.
            Se a sua rubrica se chama «Cem textos de solidão» e nela se têm integrado crónicas de grande valor sentimental e literário, emprestando sólido colorido ao quotidiano do nosso Barrocal, este – de maior solidão ainda, devido ao facto de ser a despedida de sua mãe – reveste-se de bem inegável beleza, ao evocar, ali, junto do caixão, toda uma vida, que será, naturalmente, a de muitas, senão todas as mães nascidas na primeira metade do século XX:
            «Vi cântaros de barro cheios de água torturando os frágeis ombros, vi alguidares de roupa branca perfumando o ar. Vi terras suadas, gretadas pelo calor do sol, embaladas pelas cantigas da foice, vi o sol esconder-se no horizonte refrescando um peito arfante e rouco de cansaço...
            E então nessas minhas mãos murchas, começaram a florescer flores. Flores vermelhas. Milhares de flores vermelhas. As flores do teu quintal… as nossas flores vermelhas».
            Um hino à Vida no momento em que ela já não existe. Ou melhor, no momento em que subiu para outro patamar, o da eternidade, sabendo nós que o falecimento não é mais é do que o momento da passagem, que importa envolver em ternura, em gratidão, em vontade de continuar a plantar flores, vermelhas, brancas, azuis, no sorriso de cada um, no sorriso em direcção àquele ou àquela com quem nos cruzamos e que, porventura, é capaz de vir acabrunhado sob o peso não dum cântaro físico mas dum cântaro sofredor. Olá! Sorria para mim, responda ao meu «bons dias!», deixe da mão a nuvem negra, sopre-a já para longe.
            Murcharam as mãos que tanto labutaram. Também as nossas, um dia, vão murchar. Até lá, porém, temo-las, temo-las para um abraço, um caloroso aperto de mão, para a suave carícia no rosto duma criança ou na face da pessoa com quem vivemos o Amor. Mãos calejadas serão, decerto já não da enxada; os calos serão doutro género, porque nossas mãos diariamente muito souberam e continuarão a saber escrever, saudar, comunicar. Murcharão, sim; mas continuarão a falar!

            Amigo Vítor Barros, bem hajas!

                                                                       José d’Encarnação

Publicado em Notícias de S. Braz [S. Brás de Alportel], nº 337, 20-12-2024, p. 17.

 

1 comentário:

  1. De : Cristina Matias
    21/12/24 10:26 (GMT+00:00)
    Obrigada por tudo o que envia, que leio sempre que o relógio me permite (a correria da vida…) mas que valorizo sempre, sempre. Sim, temos que usar as nossas mãos, sejam elas jovens, de pele fina e aveludada, viçosas e rápidas de movimentos ou já perdendo, lentamente, o esplendor da juventude, para lutar pelo que acreditamos, sem receios, olhos postos na verdade, na justiça e no bem estar para todos. Obrigada por informar, por formar e por me fazer pensar! O trabalho que faz tem um valor inestimável!

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