A frase – queira-se
ou não – mesmo que se não haja dado particular atenção à entoação de quem a proferiu,
trazia pequena nódoa de dúvida: «Não há bem que sempre dure!». Aquele
pensamento maldoso, que sub-repticiamente se nos inocula no espírito, sempre
pronto a dar acordo de si – e nós, que nem sempre temos à mão o antídoto
eficaz..
Escreveu-me a Gertrudes:
«Eu
já deixei de rir por não ser capaz e de chorar por terem secado os sacos
lacrimais. Agora a minha saúde mental só se aguenta quando estou com os netos
ou então oiço concertos no Mezzo!»
Compreende-se.
Quase a completar a casa dos 70, dissabores a atropelarem, a cada passo, o
movimento bom, é tristonho o seu olhar para as paisagens da vida.
Valem os netos,
salpicos de algazarra, inocência, esperança, a beberem da avó, sequiosos,
ensinamentos ao longo d’anos amadurecidos…
Vale a beleza
da música, capaz de nos transportar para horizontes de sonho, apaziguar
tristezas, suscitar doçuras…
Afinal, Gertrudes, vale mesmo a pena viver!
José d’Encarnação
Publicado no jornal Renascimento (Mangualde), nº 882, 20-08-2025, p. 10.


Que texto mínimo, mas tão bonito!
ResponderEliminarVale mesmo a pena viver, sim.
Na frase "não há bem que sempre dure", falta o "nem mal que nunca acabe".
Eu podia ser a Gertrudes, porque a minha quinta-feira foi de arrasar, mas não acabou comigo. Lembro-me sempre da frase toda.
Continuo a rir quando há motivo e chorar...pouco. Sou mais de espernear porque tenho direito à vida.
Já fiz alguma coisa por muita gente, como muita gente mais e melhor fez por mim, por isso tenho de fazer pela vida...ainda! Para lhes agradecer e para me dar o aroma que faltou.
E farei, enquanto puder.
Um grande abraço.