segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Imposto sobre a saudade

            São muitos – sabe-se – os jovens que ora saem do País, buscando noutros os meios de sobrevivência que o paradigma político-económico vigente na Europa lhes nega e continuará a negar enquanto não houver força bastante – como a houve na Islândia – para o liquidar de vez.
O caso dos 24 enfermeiros que partiram para o Reino Unido, com contrato de trabalho, porque não encontraram aqui colocação, teve, porém, honras de relevante notícia. Vi-a no telejornal de 18 de Outubro, p. p., e no do dia seguinte e já recebi, pela Internet, cópia da carta que o Pedro Miguel ousou escrever à Presidência da República. E, nela, entre outras muitas verdades fortes como punhos, uma passagem houve que me pôs um nó na garganta e, por largos momentos, nem consegui articular palavra:
«Por favor, não crie um imposto sobre as lágrimas e muito menos sobre a saudade. Permita-me chorar, odiar este país por minutos que sejam, por não me permitir viver no meu país, trabalhar no meu país, envelhecer no meu país. Permita-me sentir falta do cheiro a mar, do sol, da comida, dos campos da minha aldeia. Permita-me, sim? E verá que nos meus olhos haverá saudade e a esperança de um dia aqui voltar, voltar à minha terra».
Só quem não viveu fora de Portugal, por apenas quinze dias seguidos que fosse, é que não compreende o que significam estas palavras, o que elas doem, o que é esta «falta do cheiro a mar»…
Sim, só nos faltava criarem esse imposto! E não me admiraria se, um dia, tecnocratas pensassem nisso, eles que só têm olhos para as colunas do deve e do haver.
De tal modo que nem sequer repararam na Mónica, que disse quanto lhe custava ver que o Estado português investira na sua formação e agora, que ela estava disposta a retribuir, vai retribuir para outro lado, porque não tem possibilidade de o fazer aqui. Esta é uma coluna do deve e do haver que não entra nos gráficos, porque quem os faz nem sequer disso se lembra, tão obcecado está com outros horizontes.
Pedro, tu podes chorar! Podes ter saudades! Não deixaremos que também nos roubem essa possibilidade. E dá de nós um bom testemunho; de nós, Povo, dos teus familiares, dos que te ensinaram a ter espírito crítico e coragem de escrever o que escreveste. Estamos-te todos muito gratos, acredita!

Publicado no quinzenário Renascimento (Mangualde), nº 603, 01-11-2012, p. 4.

3 comentários:

  1. Triste é também saber que por causa dos que emigram, os governantes se congratulam com a descida do desemprego! Triste é não darem valor a quem produz e só darem valor a quem lucra! Quando o banqueiro não tiver jardineiro nem homem que lhe tire o lixo da porta, aí sim, há-de lembrar-se que viver não é só lucrar! E que aguentar, aguentamos todos mas... já é demais! Boa sorte Pedro!

    ResponderEliminar
  2. Triste é sermos apenas números, sem valor, desprovidos de personalidade, de vontade de sentimentos! É assim que os governantes nos olham!

    ResponderEliminar

  3. José Picas Do Vale comentou:
    "Portugal é muito mais do que alguns crápulas que por aí gravitam. Por muito que nos escorracem, o nosso Portugal espera por nós, que mais não seja porque o trazemos (e levamos) sempre no coração. Quanto ao "cheiro a mar"... lembra-me esse mar dos poetas. Como escreveram José Fanha e José Jorge Letria "O mar e o Portugal (...) não têm prazo de validade. Só prescrevem quando a nossa identidade prescrever, e talvez ainda falte um mar inteiro para que isso aconteça."

    Agradeço!

    ResponderEliminar