sábado, 28 de março de 2015

A apresentação da Orquestra Sinfónica de Cascais

            Creio que facilmente se gastarão todos os adjectivos encomiásticos para se referir quão saboroso foi o serão que a nova Orquestra Sinfónica de Cascais, dirigida por Nicolay Lolav, nos proporcionou na noite de sábado, 21, no Auditório Senhora da Boa Nova, que estava repleto!
            Não sou conhecedor de Música para poder esboçar aqui uma apreciação do espectáculo em termos técnicos. Também não fui estudar os contextos específicos em que o pianista austríaco Carl Czerny (1791-1857) escreveu a sua obra nº 153, «Concerto para piano a 4 mãos e orquestra», ou as fontes de inspiração do compositor, natural da Boémia, Antonin Dvorák (1841-1904), para a sua Sinfonia nº 9, «Do Novo Mundo». Limitar-me-ei, pois, a dizer o que, como leigo, me impressionou e me encheu as medidas.

Aplauda-se a iniciativa!
            Claro, importará sublinhar, desde logo, que a criação de uma Orquestra Sinfónica constitui iniciativa de muito louvar, pelo que significa de apreço pela Cultura e, de modo especial, de apreço pela vertente musical da Cultura, nem sempre devidamente valorizada a nível de uma acção governativa autárquica inteligente.
            Se considerarmos, por outro lado, que boa parte dos mais de 70 elementos da Orquestra serão de origem estrangeira (como o é o seu maestro, ainda que nós o consideremos já mais cascalense que búlgaro) e que Cascais se guindou, nos últimos tempos, a local de residência preferido por muitos cidadãos dos quatro cantos do mundo, então se compreenderá melhor a importância da criação invulgar de uma orquestra sinfónica – para que, naturalmente, se almejam longos anos de reconhecidos êxitos, a prolongar-se muito para além da vigência do actual executivo camarário.

O espectáculo
            O ritual é sempre… um ritual. O primeiro violino levanta-se, dá o tom. Para a esquerda. Para a direita. Aqui, é possível dar o mesmo tom para ambos os lados!... Toca um pouco. Ouve as afinações. Senta-se – e é o desaforo total, que todos querem dizer ao instrumento «faz favor, porta-te bem!». Depois aguardam-se os dois pianistas e o maestro. Aplausos. Expectativa. É que, senhores, é a primeira vez (diz o programa) que vai ouvir-se em Portugal esta obra do colaborador de Beethoven! Ainda por cima, por dois mui conceituados e aplaudidos pianistas: o português Artur Pizarro (que, pasme-se, se apresentou na televisão quando tinha apenas 4 anos, agora tem 47!) e o triestino Rinaldo Zhok, um duo formado há menos de um ano. Adianto, desde já, que nos maravilharam. E até a palavra «maravilhar» é capaz de ser mínima para transmitir o calor extasiante com que nos brindaram.
            Sente-se que Lalov carrega uma responsabilidade única, embora este palco lhe seja mui familiar.
            Começa-se por um «allegro con brio». Toda uma exuberância alegre, viva, quase heróica, a que o virtuosismo dos dois pianistas empresta colorido singular. E há a dança dos arcos dos violinistas, quando estes deles prescindem para um pizicato. Todos os músicos, é bem de ver, estão compenetrados e felizes: têm a consciência plena de que participam num momento histórico, a assinalar em letras gordas nos respectivos curricula vitae. E sorriem de quando em vez. E ouvem atenta e deliciadamente os outros, sobretudo  os pianistas, quando o maestro lhes dá tréguas.
            O 2º andamento – «adagio espressivo» – abre com os fagotes a anunciarem serenidade, a que, tranquilamente, os pianos respondem. Meneiam-se, agora, de novo, os arcos alevantados.
            Foi curto este adágio – que Carl Czerny apenas quis fazer breve pausa, parece, a ganhar forças para o «vivace» do «rondó alla polacca» do 3º andamento. E os pianistas parecem que saltitam, agora, como passarinhos contentes ao sol da manhã!...
            O intervalo – após os longos aplausos de pé, com «bravos!» – serviu para que quem se não via há um tempo pudesse trocar impressões e mutuamente rejubilar-se com o facto de estar vivo e poder saborear esta beleza. Vimos o casal Pinto Balsemão, Georges Dargent, o contentamento do senhor presidente da Câmara e dos membros do Executivo e seus colaboradores
            Começou a Sinfonia nº 9, vibrante no adágio, ainda que o «allegro molto» haja perlado de novo o rosto do maestro irrequieto, a querer estar em todos os naipes. Bem tranquilo, ao invés, com silêncios pelo meio o 2º andamento, largo… Foi, porém, sol de pouca dura, que «molto vivace» era o 3º e não havia tempo a perder. Atacou-se com força, na apreciação do rigor do movimento, do gesto, do toque, ao centésimo de segundo, mesmo com novos bailados dos arcos dos violinos a encaminharem-se para o inesperado «grito» no final, um espanto! E, a terminar, o bem conhecido «allegro com fuoco» do 4º andamento, lá vinha o mote de quando em vez, como eco para não esquecer e a trautear e a desafiar a fúria dos violinos…
            Aplaudimos longamente, de pé. Foi um privilégio estarmos vivos, ali, e vermos como também eles, os músicos, ficaram deliciados com o impecável desempenho que haviam logrado ter. Aplaudimos naipe a naipe, entre sorrisos, entre os brados de «bravo!». Aplaudimos todos. Nikolay Lalov não podia deixar de se sentir realizado, até porque, depois do Departamento de Dança do Conservatório de Cascais, oficialmente iniciado a 27 de Fevereiro, via agora realizado mais um sonho que poderia ter-se pensado inatingível: a criação de uma Orquestra Sinfónica que vai deliciar-nos no começo de cada estação: fará, a 13 de Junho, o concerto de Verão; a 24 de Outubro, o de Outono; e a 12 de Dezembro, o de Inverno. Já agendei!
                                                           José d’Encarnação

Publicado em Cyberjornal,  edição de 28-03-2015:

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