quinta-feira, 15 de setembro de 2016

Deliciar-se na praia

            Creio poder afirmar que, este ano, me deliciei na praia.
            Escolhi a Praia das Moitas, em frente daquelas arquitectónicas caixas cinzentas soberbamente implantadas no bem bonito ajardinamento vegetal que nos encanta.
            Punha-se a viatura no parque explorado pela Cascais Próxima, para evitar a gananciosa argúcia dos vermelhos sempre à cata de prazos ultrapassados. Poderia ser um tudo-nada mais barato, o parque, mas, enfim, é o que temos!
            Percorria-se com o olhar os sempre magníficos azulejos do Nadir Afonso que embelezam o túnel e, mais umas passadas no paredão, lá se estava na prainha que a marina, por ter alterado as correntes, mui gostosamente nos veio proporcionar.
            Tem muitas rochas, de facto; não se consegue nadar na vazante, mas vêem-se os peixes; e nada-se na enchente e nos intervalos, que é um regalo!

O entretenimento
            Lembrei-me de falar da época estival, porque, ali, as águas estavam limpas. O pessoal entretinha-se a apanhar conchinhas com as crianças; de quando em vez, lá aparecia uma estrela-do-mar; alforrecas raras...
            E, de pequeninos camaroeiros em punho, tentava-se apanhar desprevenidos pequeninos camarões ou algum dos muitos peixinhos que ali passeavam em cardume. Sim, os grandes também os havia, mas não valia a pena tentar…
            Chegámos a ter no balde uma babosa pachorrenta, de olhos salientes e barbatanas como leques, os dois buraquinhos das guelras a abrir e a fechar compassadamente… Devido ao seu extraordinário mimetismo, mal se distinguia do fundo arenoso.
            Claro, no final, tudo voltava, ritualmente, ao habitat natural!

Os salvados
            O mais giro foram os salvados: três pares de óculos achou a Noémia; eu, uma prótese dentária (!) e uma moeda de um cêntimo; houve uma roda de bicicleta e uma bola de futebol, esta já em mau estado de conservação.
            Nada de plásticos, porém, e isso me consolou, ao lembrar uma notícia que em tempos recortara e que rezava assim:
            «A foto mostra uma imensa baleia, que morreu após ingerir mais de 17 quilos de diferentes tipos de plástico. A autópsia mostrou ainda que o material era proveniente de estufas do Sul de Almeria e Granada, em Espanha. Agricultores que produzem tomates atiram as embalagens ao mar.
            Apesar das suas 50 toneladas e dos seus 14 metros de comprimento, poucos quilos de plástico foram suficientes para a matar».
Baleia morta por asfixia, devido aos plásticos ingeridos...
As tatuagens
            Direi, todavia, que – isto de ser jornalista tem o seu quê!... – um dos meus passatempos favoritos, para além, claro, do nadar e do caminhar à beira-mar, foi observar os banhistas, por causa da grande novidade: as tatuagens!
            Não foi moda deste ano, bem no sei; contudo, notabilizou-se este Verão de 2016 pela enorme variedade de estilos, de motivos e de localizações (sim, porque se estava de fato-de-banho e mínima porção do corpo ficava tapada…). Vimos, por exemplo, uma família que falava francês (aliás, também nos encantou o facto de a língua francesa ter recomeçado a ser ouvida entre nós…), onde toda a minha gente estava profusamente tatuada em todas as partes visíveis do corpo, desde o avô, a avó, o pai, a mãe, as filhas e creio até que uma das netinhas já tinha um desenhinho qualquer.
            Sempre me intrigaram os grafitos que, de vez em quando, surgem nas nossas paredes. Soam-me a mensagens esotéricas, passíveis apenas de serem compreendidas pelos «do grupo». Agora, esoterismo, esoterismo foi o que eu mais depreendi das tatuagens que me foi dado ver de relance na Praia das Moitas! De borboletas, lagartos, flores, cobras, génios alados, personagens dos desenhos animados, vá que não vá, a gente entende! Agora, ele havia grafismos de tal modo abstractos e estranhos, que – tal como os arqueólogos dizem quando não entendem bem o significado de um objecto… – aquilo deve ser religião estranha, mística do outro mundo!...
            Enfim, momentos bem passados estes, num Verão que, felizmente para os cascalenses, decorreu sem catástrofes e bem recheadinho de turistas!...

                                                                     José d’Encarnação

Publicado em Costa do Sol Jornal, nº 155, 14-09-2016, p. 6.

10 comentários:

  1. Teresa Mosqueira
    16/9 às 15:28

    Este ano também adoptei a Rata e também me entretive a ver as tatuagens, que a bem dizer algumas mais pareciam ser um borrão enorme no braço ou na perna. Será que não realizam que aquilo é para a vida? Aparte esse folclore que animou a praia deliciei-me com o mar transparente como não me lembro de alguma vez ver por aquelas bandas.

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    1. Uma maravilha, de facto, Teresa, como nunca se vira! Agora as tatuagens tens razão: então as daquela família de que falo, menina, até metiam medo ao susto!...

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  2. Ana Colaço
    16/9 às 15:07

    E o melhor de tudo é que o Verão está quase a acabar mas nós vamos poder continuar a saborear tudo isso... ;)

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    1. Tens mesmo razão, Ana! Felizardos somos! E esperamos continuar a encontrarmo-nos no paredão! Com ou sem RFM; RFM eu prefiro no carro; no paredão, o barulho do mar!...

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  3. Jose Fernandes Soares
    16/9 às 14:39

    Onde se situa a praia das Moitas?

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  4. Também chamada vulgarmente «da Rata», fica a nascente do Palácio Palmela, em frente dos «edifícios» que substituíram o Estoril-Sol. É uma praia que nasceu do novo movimento das correntes provocado pela construção da marina, que levou à deposição ali de muito mais areia. Tem muitas rochas, que, por dantes estarem cobertas de algas, mais pareciam moitas que emergiam à superfície...

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  5. Vitor Cantinho
    16/9 às 11:32

    É um prazer ler as suas crónicas. Gostei particularmente das paisagens das praias, e das descrições pormenorizadas acerca das "epigrafias" na pele dos veraneantes.

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  6. Ana Teresa
    18/9 às 18:08
    Olá, Professor. O Professor não encontrou plástico na Praia das Moitas, mas eu estou farta de o encontrar nas Duquesa/Conceição. O problema é que ninguém, nem os nadadores-salvadores, têm o simples gesto de o apanhar do mar e deitar no caixote do lixo. Bem sei que eles ficam longe do mar, mas lá vou eu a fazer um desvio do meu caminho marítimo, pegar no lixo plástico e deitar no recipiente respectivo. Pois quem estava a olhar para o lixo à beira-mar, seja nacional ou estrangeiro, põe-se a olhar para o que eu estou a fazer com o mesmo ar de estranheza, mas que se há-de fazer?

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    1. É tudo uma questão de sensibilidade e de educação e o seu exemplo, Teresa, acabará por frutificar. Em teoria, não compete aos nadadores-salvadores apanharem o lixo; para esse efeito, criou o Município de Cascais brigadas de jovens que percorrem as praias a fazer essa limpeza e, sobretudo, a apanhar as beatas, pois, embora haja cinzeiros à disposição, ainda há quem prefiro enterrar a beata na areia. Pouco a pouco, acabaremos por obter resultados bons nessa luta. O que interessa é não desanimar!

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