Direi
que dessoutros, à vista de todos e repetidamente propalados pela Comunicação Social, haverá sempre quem fale, se amofine ou,
até, mandando às urtigas convencionais condicionalismos, ouse incitar à
rebelião. Agora, pegar no Dicionário da nossa vetusta e digna Academia das
Ciências de Lisboa – à qual, aliás, tenho a honra de pertencer – e topar lá
motivo de escangalho não é para todos e nem para mim seria, se para tal me não
houvessem chamado a atenção .
Aclare-se, antes de mais, que tal
Dicionário se apresentou, em 2001, como «da Língua Portuguesa Contemporânea»,
ou seja, reflexo da vida falada ou… vivida! Daí que os seus ilustres mentores
hajam optado por exemplificar a acepção
de determinado vocábulo com frase extraída preferencialmente (digo eu!...) não
dos clássicos mas das revistas da society (perdoe-se-me o anglicismo, que é,
porém, o que melhor aqui se adapta). E assim, para mostrar no concreto a
terceira significação do vocábulo
juízo – «maturidade intelectual aliada a um comportamento respons ável ≈ bom-senso ≈ sensatez ≈ siso ≈ tino» –
nada melhor do rapar de frase, por sinal sem autor nem data, da revista
«Máxima» nº 60, que reza assim:
«Nunca mais me hei-de esquecer de um
encontro memorável com um rapazinho que já tinha idade para ter juízo».
Escangalhei-me, porque – mente
perversa me confesso! – imaginei a cena e também eu fiquei sem juízo nenhum: a
senhora (uma senhora, claro, para a história ter mais pique!…) topou com um
menino no café, palavra puxa palavra, que fazes, que é que não fazes, eu tenho
uns CDs giros lá em casa de que vais gostar… E pronto: o puto acabou por não
ter juízo nenhum! Ou teve, sabe-se lá, na óptica dele!...
Com que então, bem avançadinhos no
seu tempo os senhores do Dicionário, hein?! Claro que, assim, ficamos com a noção exacta do significado completo da palavra
«juízo». Oh! Se se fica!...
Aliás, a mim quando alguém me
recomenda juízo, eu respondo invariavelmente: «Vou ter! Mas olha: se te apetec er a ti não ter, chama-me que eu também quero!».
José d’Encarnação
Publicado em Renascimento
(Mangualde), nº 691, 01-09-2016,
p. 12.
Em princípio, a idade de 7 anos é marca para se ter juízo. Ou se é ou não se é ajuizado, que a idade traz-nos momentos em que pouco juízo mostramos ter...
ResponderEliminarAurora Martins Madaleno
ResponderEliminar5/9 às 20:24
Achar graça é sinal de termos adquirido o necessário juízo para entendermos o cerne da questão...
ResponderEliminarAna Salgado
6/9
Ai que eu me escangalho! E, na verdade, vou ter de escangalhar. Aconselha o Padre António Vieira: “Antes de ver o fim não se pode fazer juízo.” Gabo-lhe a prosa e o estilo. Um mimo.
Cecilia Travanca
ResponderEliminar6/9
..." chama-me que eu também quero"... ler mais prosa bem escrita e saborosa
Está sempre chamada. Também para dizer que a prosa é desenxabida, quando o for, porque a inspiração tem falhas, ih! se tem!... Beijinho!
EliminarTeresa Silva
ResponderEliminar6/9 às 11:20
Há realmente faltas de juízo que chegam a ser brilhantes!
Vitor Barros Escangalhar…
ResponderEliminarA palavra levou-me noutra direção. Sempre ouvi o meu avô comentar que ia pôr as cangalhas ao macho…recordo-me de ele vir das Bicas dos Vilarinhos com os cântaros de água que assentavam nessas cangalhas que vinham no dorido dorso do muar. Ora como aquilo não vinha muito seguro por vezes com os solavancos da besta saía tudo do lugar. Escangalhava-se tudo….Não poderá vir daí o termo?
Um abraço e tudo de bom!
Ana Salgado
ResponderEliminarPois tudo leva a crer que vem mesmo de cangalho/cangalha. Escangalhar > es-+cangalho+-ar. Escangalhar seria o mesmo que deitar o cangalho fora, algo que reprimia os animais (prefixo ex- passa a es-). Ora, escangalhar a rir, não é mais que rir totalmente livre de qualquer coisa que nos reprima.
Olá, Vitor Barros e Ana Salgado!Bem hajam, Amigos, pelos oportunos comentários. Claro que têm inteira razão: é mesmo de irem as cangalhas pelo chão!...
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