sexta-feira, 23 de setembro de 2016

Meio-padre ou padre inteiro?

             Em 1963-1964, leccionei na Escola Profissional de Santo António, em Izeda, uma escola dos Serviços Tutelares de Menores, entregue aos Salesianos.
Escola Profissional de Santo António,
Izeda, 8 de Março de 1964
            O 1º ano de docência, com responsabilidade sobre um grupo de ‘correcços’ entre os 12 e os 14/15 anos. Cenas que jamais esquecerei. Sim, o acordar com a algazarra dos estorninhos, os bandos de corvos, os grandes silêncios derredor; o só haver um telefone à noite, o do médico… Sim, tudo isso; e duas frases:
            – Mas você é meio-padre ou padre inteiro? – perguntou-me um dos jovens, porque eu andava de batina e seria, para ele, novo de mais para ser… padre inteiro.
            A outra:
            – Eu nunca tive respeito à minha mãe nem ao meu pai e ia agora tê-lo a si!?
            Cadastrados todos eles. Perante esta frase, eu sorri e até lhe disse «Tens razão!»; o moço ficou sem resposta e… continuámos o jogo!
            Pelas tardes de quinta-feira, saíamos a passeio. Sozinho, com uns 15 à minha volta. Nunca nenhum me fugiu. O rabisco das uvas, das castanhas… Sentávamo-nos a conversar sob as árvores. A pedagogia salesiana em acção, na partilha de afectos, com quem, afinal, nunca os tivera.
            À noite, ao jantar, o inevitável copo de leite para os mestres tipógrafos, pois nessa altura se trabalhava com chumbo. E aí se partilhavam também as aprendizagens – que os moços estavam, de facto, numa escola profissional e seriam as profissões o meio óptimo de se reintegrarem na vida.

                                                                      José d’Encarnação
 
Publicado em Boletim Salesiano, nº 558, set/out 2016, p. 34.

1 comentário:

  1. Margarida Lino‎
    20/10 às 18:09

    Meu amigo (meio padre ou padre inteiro), adorei esta tua crónica no Boletim Salesiano! Beijinho!

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