A
Rosária tem, além doutros, dois problemas: o neto, o Ruizinho, o môce pequeno que
teima em tirar as cocas do nariz, e o pai, já de 80 anos, não é môce pequeno,
mas que, vai não vai, se põe a remexer as gavetas.
‒
Ó pai, não escarafunche mais aí! O seu relógio está na mesinha-de-cabeceira!
Deixe as gavetas! Vossemecê atamanca-me tudo, senhor! Mexe-me num moitão de
coisas, que até me causa engulhos! O relógio está ali!
Escarafunchar.
Reza um dos
dicionários que escarafunchar vem do latim
scariphunculare; será, porém, latim popular, decerto, porque, nos
dicionários norma is, esse termo não
aparece. Há é o verbo «scariphare», do grego σκαριφάομαι, «esfolar», e a
«scariphatio» é… a esfoladura.
Claro,
nem o Ruizinho se esfola, decerto; nem o ancião fica com escaras por causa de escarafunchar
nas gavetas; contudo, é curioso verificar que «escara», a crosta de uma ferida,
é da mesma raiz etimológica e existe no latim: «eschara». E que também há um outro termo que lhes é aparentado: furúnculo
(do latim, «furunculus»).
Pronto,
já sei: escarafunchar não é palavra só do Algarve e não precisava, amigo, de
nos vir com essa história agora! Tem razão: não devia ter escarafunchado; mas quero
contar-lhe um segredo: o que eu vejo mais agora é gente a escarafunchar! E sai
de lá depois cada novidade, que os tribunais até gostavam que se não
escarafunchasse tanto!...
‒
Tira o dedo do nariz, Ruizinho! Malvado do môce pequeno!
José d’Encarnação
Publicado em VilAdentro [S. Brás de Alportel] nº 218, Março de 2017, p. 10.
Ensinando, com a notável mestria de sempre!
ResponderEliminarMargarida Lino, 6/3 às 17:47
ResponderEliminarZé, gostei muito deste teu escarafunchar, e não deixes de o fazer, para que nós possamos ter um maior conhecimento de tanta coisa que precisa disso mesmo de ser escarafunchada! Bjs.
Aurora Martins Madaleno, 6/3 às 17:56
ResponderEliminarE cada cavadela cada minhoca!
Joaquim Augusto,6/3 às 17:59
ResponderEliminarUm termo que também se utiliza em Odemira, com frequência, que contrabalança frequentemente com o verbo fuçar...
Filomena Barata,6/3 às 18:10
ResponderEliminarLi e como gostei de o fazer.
Vítor Fialho, 6/3 às 18:49
ResponderEliminarPenso que se pode readaptar o célebre ditado: "Cada tiro cada melro, cada cavadela cada minhoca" para: "Cada tiro cada melro, cada 'escarafunchadela' cada minhoca". Os tribunais, esses, que se aguentem - metáfora ou não - a justiça que permaneça como nos sempre foi transmitida: cega e surda! Deixemos o 'Ruizinho' escarafunchar, coitado do moço! Grato por mais um excelente texto. Cumprimentos. PS: o desenho animado foi muito bem escolhido! :)
Luisa Bernardes 6/3 às 19:13
ResponderEliminarUtilizo essa palavra desde sempre, é a zona saloia de Cascais!
Edgar Valdez 6/3 às 21:58
ResponderEliminarLatu-sensu este termo dá para diversas situações e em especial quando toca a coscuvilhar. E hoje vê-se muito disto com frequência pouco habitual. Belo texto, caro Zé Manel, com escrita muito assertiva. Um abraço do Edgar