segunda-feira, 6 de março de 2017

Escarafunchar

            ‒ Ó Ruizinho, deixa o nariz! Sempre a escarafunchar, sempre a escarafunchar!...
            A Rosária tem, além doutros, dois problemas: o neto, o Ruizinho, o môce pequeno que teima em tirar as cocas do nariz, e o pai, já de 80 anos, não é môce pequeno, mas que, vai não vai, se põe a remexer as gavetas.
            ‒ Ó pai, não escarafunche mais aí! O seu relógio está na mesinha-de-cabeceira! Deixe as gavetas! Vossemecê atamanca-me tudo, senhor! Mexe-me num moitão de coisas, que até me causa engulhos! O relógio está ali!
            Escarafunchar.
            Reza um dos dicionários que escarafunchar vem do latim scariphunculare; será, porém, latim popular, decerto, porque, nos dicionários normais, esse termo não aparece. Há é o verbo «scariphare», do grego σκαριφάομαι, «esfolar», e a «scariphatio» é… a esfoladura.
            Claro, nem o Ruizinho se esfola, decerto; nem o ancião fica com escaras por causa de escarafunchar nas gavetas; contudo, é curioso verificar que «escara», a crosta de uma ferida, é da mesma raiz etimológica e existe no latim: «eschara». E que também há um outro termo que lhes é aparentado: furúnculo (do latim, «furunculus»).
            Pronto, já sei: escarafunchar não é palavra só do Algarve e não precisava, amigo, de nos vir com essa história agora! Tem razão: não devia ter escarafunchado; mas quero contar-lhe um segredo: o que eu vejo mais agora é gente a escarafunchar! E sai de lá depois cada novidade, que os tribunais até gostavam que se não escarafunchasse tanto!...
            ‒ Tira o dedo do nariz, Ruizinho! Malvado do môce pequeno!

                                                    José d’Encarnação

Publicado em VilAdentro [S. Brás de Alportel] nº 218, Março de 2017, p. 10.

8 comentários:

  1. Ensinando, com a notável mestria de sempre!

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  2. Margarida Lino, 6/3 às 17:47
    Zé, gostei muito deste teu escarafunchar, e não deixes de o fazer, para que nós possamos ter um maior conhecimento de tanta coisa que precisa disso mesmo de ser escarafunchada! Bjs.

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  3. Aurora Martins Madaleno, 6/3 às 17:56
    E cada cavadela cada minhoca!

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  4. Joaquim Augusto,6/3 às 17:59
    Um termo que também se utiliza em Odemira, com frequência, que contrabalança frequentemente com o verbo fuçar...

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  5. Filomena Barata,6/3 às 18:10
    Li e como gostei de o fazer.

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  6. Vítor Fialho, 6/3 às 18:49
    Penso que se pode readaptar o célebre ditado: "Cada tiro cada melro, cada cavadela cada minhoca" para: "Cada tiro cada melro, cada 'escarafunchadela' cada minhoca". Os tribunais, esses, que se aguentem - metáfora ou não - a justiça que permaneça como nos sempre foi transmitida: cega e surda! Deixemos o 'Ruizinho' escarafunchar, coitado do moço! Grato por mais um excelente texto. Cumprimentos. PS: o desenho animado foi muito bem escolhido! :)

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  7. Luisa Bernardes 6/3 às 19:13
    Utilizo essa palavra desde sempre, é a zona saloia de Cascais!

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  8. Edgar Valdez 6/3 às 21:58
    Latu-sensu este termo dá para diversas situações e em especial quando toca a coscuvilhar. E hoje vê-se muito disto com frequência pouco habitual. Belo texto, caro Zé Manel, com escrita muito assertiva. Um abraço do Edgar

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