sexta-feira, 2 de março de 2018

Não há como beber…

             … uma golada para a frase sair mais inspirada» ‒ é o título de um conjunto de poemas editado pela Vinidão, em Outubro de 1993 (1500 exemplares).
            Os seus promotores escreveram na badana que pretendiam, com este caderno, «iniciar uma homenagem aos poetas populares deste País, cuja sensibilidade está profundamente marcada, há séculos, pela nobreza de um produto de eleição como é o vinho».
            Ao todo, 18 poemas, em folhas soltas, de papel pardo, resultantes de um ‘concurso de poesias alusivas ao vinho promovido pela Adega Cooperativa de Mangualde’, em 1992.
            Não voltei a ter notícias da iniciativa. Se teve, ou não, continuidade. Pela minha parte, gostaria que sim. Primeiro, pela originalidade da promoção; depois, pela nobreza do objectivo: dar aos poetas ditos populares uma oportunidade de assim manifestarem a sua inspiração.
            Poderá haver detractores. Que não se deve incrementar o consumo do vinho, dirão. Retorquirei com o conhecido argumento: não faz mal beber vinho, o que faz mal é beber de mais. Como não faz mal apanhar sol, o que prejudica é apanhar sol em demasia. Amiúde se esquecerá, também neste domínio, a sabedoria do Povo: «nem oito nem oitenta!». E quando, ao final da tarde, após longo e bem soalheiro dia de trabalho, os trabalhadores do campo se ajuntavam na taberna, antes de irem para casa, e bebiam o seu copito e um, mais inspirado, dava o mote e logo os demais arrancavam no cante… era um bonito sol-pôr nas terras alentejanas!...
            Improvisava-se, por vezes; e, na verdade, alentejano e algarvio que se preza (e estou a lembrar-me do Aleixo e de tantos Aleixos que há por i, só conhecidos da vizinhança…) não hesita em dar largas ao seu modo de fazer quadras a eito!
            Como não recordar, por exemplo, o programa «Lugar ao Sul», que Rafael Correia manteve durante muito ano, aos sábados de manhã, na Antena 1!... Ia o repórter por essas terras além, parava aqui, parava ali. Um era hábil na gaita de beiços; outro contava em verso a história de Portugal, de fio a pavio!... A alma do Povo assim posta a nu, na sua autenticidade. E se adregava brindar com um copito de três do tinto da adega lá de casa, mais fluente era a cantoria…

                                               José d’Encarnação

Publicado em Renascimento (Mangualde), nº 726, 01-03-2018, p. 10.

1 comentário:

  1. Muito oportuna e justíssima a menção a Rafael Correia, o andarilho da rádio que durante três décadas captou tantos e belos retratos sonoros de um Portugal ignorado e subestimado.
    Bem-Haja!

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