domingo, 24 de novembro de 2019

Os cantoneiros

             Guardo, entre as memórias de infância, as conversas havidas com o Zé Duque e o seu colega. Eram cantoneiros da estrada que passava junto da minha casa aqui em Cascais e eu gostava de ver como trabalhavam para manter as valetas limpas, para remendarem os buracos no macadame. Parece-me estar ainda a ouvir o som cavo do pesado maço de madeira com que acamavam as pedras no saibro, devidamente regadas com um também pesado (para mim…) regador de zinco. Lembro-me ainda de algo que, para a minha meninice, era curioso: uma enorme «chave» para abrirem a puxada de água mais próxima, onde ajustavam uma torneira. Para mim, uma maravilha!
            Havia também estacas de ferro com uma placa a identificar o cantão. Devia ser um número, decerto. O cantão era a porção de estrada adscrita a cada cantoneiro.
            Evocações estas me surgiram ao receber de Vítor Barros – bem haja! – a foto anexa. A pedra está «na nossa Câmara Municipal, e junto a algum mobiliário e documentação vindos de uma casa de cantoneiros na Nacional 2». E acrescentou Vítor Barros:
            «Seria bonito ver uma antiga casa de cantoneiros reconstruída e sabermos um pouco como era essa vida e a autoridade que na altura detinham...».
            Sei haver essa intenção. Aplaudo-a com ambas as mãos, porque – se não erro – um memorial dessa esquecida actividade, porventura chegada até quase ao 25 de Abril, não existe em nenhum dos concelhos portugueses. S. Brás seria, mais uma vez, pioneiro!
            A placa diz:
OBRAS PUBLICAS
                                                                 DESTRICTAES
                                                                           1885
            Identificaria, sem dúvida, uma renovação da via – neste caso, a EN 2 – então realizada. À falta de outra documentação, esta é, por isso, bem significativa. E mostra que, à época (seria Fontes Pereira de Melo, interinamente, o Ministro do Equipamento Social), mostra, primeiro, que aos distritos eram atribuídas competências em termos viários; e, segundo, que eles faziam gala em mostrar obra feita!

                                               José d’Encarnação

Publicado em Noticias de S. Braz [S. Brás de Alportel] nº 276, 20-11-2019, p. 13.

3 comentários:

  1. Quanto aprendi com este belo texto sobre cantões e cantoneiros. Nem sabia o que era um cantão. Destas palavras fica a ressonância de um tempo que pode ser memorizado na reconstituição de uma casa de cantoneiros e o fascínio de uma criança por uma chave que abria a puxada de água onde se ajustava a torneira, a seus olhos curiosos uma das grandes invenções da Humanidade. Muito bonito.

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  2. Isabel Vargues, domingo, 24 de Novembro de 2019 18:07
    O blogue Notas e Comentários do qual creio seres o único Autor desde 2010 continua a fazer bem o seu papel neste espaço público, hoje tão diverso e em que cada vez mais vemos que uma história simples e clara é uma poderosa aliada para evitar a "espiral do silêncio" em que tantas vezes mergulhamos, mesmo sem querer... Parabéns pelo blogue.

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    1. Bem hajas, Isabel!
      Tu também continuas a fazer excelente trabalho no seio da Licenciatura em Jornalismo da nossa Faculdade. Um abraço!

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