quarta-feira, 2 de dezembro de 2020

Quando os investigadores são… Pessoas!

            Conta o historiador Plutarco que um dos sete sábios da Grécia antiga, Tales de Mileto, tão interessado andava em observar o firmamento para estudar os astros e o seu movimento que, um dia, ao caminhar de cabeça no ar, caiu num poço.
            Um dos historiadores do grupo parou a observar um ajuntamento. Estranharam os demais e perguntaram.
– Quis saber o que se passava. – respondeu. – Que o bom historiador não deve esquecer o mundo em que vive, para melhor compreender o passado.
Duas histórias, dois modos de encarar a ciência.
           Amiúde, ao lermos os pareceres críticos de revisores de artigos para revistas científicas (o que nós, jornalistas, chamávamos de ‘censura prévia’, no tempo da ditadura…), perguntamo-nos o que pretendem, se não é o ideal que eles próprios não logram atingir, se não usam antolhos como as bestas que puxam os alcatruzes das noras para não almarearem e só verem numa direcção, se não sabem quão salutar é a diversidade de opiniões, até porque sempre há forma de suscitar uma boa discussão.
Vêm estas considerações a propósito de os doutores António Rebelo e Margarida Miranda – coordenadores da edição da homenagem a uma colega, que «tanto deu de si pela ciência, pela nossa Instituição, pelos alunos, pelos colegas e pelos amigos» –, ao anunciarem aos colaboradores e aos subscritores da tabula gratulatoria que os volumes estavam disponíveis, o terem feito mediante circunstanciada mensagem, em que, além dos agradecimentos, escreveram, a dado passo:
«Queremos também pedir desculpa por alguma atitude menos correcta da nossa parte no cumprimento das funções de coordenação, com tudo o que isso implica de pressão, de insistência, de cumprimento de obrigações, de prazos, de critérios editoriais. Estai certos e seguros de que mais não pretendemos se não valorizar o vosso trabalho, dignificando a homenageada, e contribuir para salvaguardar a elevada qualidade final, imprescindível numa obra como a que estava em causa.»
Despiram, pois, a roupagem científica e vestiram a de Pessoas que com outras pessoas estão a lidar, embora hajam confessado não ser «fácil lidar com egos e orgulhos académicos».
Resultado?
– Dos quase 80 destinatários da mensagem, raros terão sido os que não se sentiram tocados e não lhes responderam em igual tom humano.
Congratulei-me e dei os parabéns pelo superior exemplo.

José d’Encarnação

Publicado em Renascimento (Mangualde), nº 788, 1-12-2020, p. 11.

 

3 comentários:

  1. Quando dizemos que os bons exemplos nos devem chegar «de cima», eis um belo exemplo do que isso poderá significar. Abraço e agradecido pela informação.

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  2. Um texto muito interessante, como é habitual neste blog. Além do detalhe especial das histórias iniciais, e do propósito condensado no final, gostei muito da coragem de realçar esses "pareceres críticos" (quase "censura prévia") tão em moda, infelizmente, e que descaracterizam a opinião dos autores.

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  3. Perguntas que fazemos.
    Analogias que, às vezes, também afloram.
    Síntese final com que concordamos.
    Bom Natal!

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