quarta-feira, 16 de junho de 2021

Por esses matos além...

               A pandemia trouxe maior atenção à Natureza e espicaçou ainda mais o desejo de usufruir do bom ar puro de regalar pulmões.
            Cascais antecipou-se a esse anseio e criou bem agradáveis parques urbanos. Há, porém, um que nos incita a ir, mui saudavelmente, por esses matos além…
              Vamos vê-lo.

Parques urbanos

            Criaram-se, felizmente, por toda a Cascais (pode dizer-se) parques urbanos. Já tínhamos, na vila, o Parque Marechal Carmona, verdadeiro coração verde, e o Parque Palmela. Este, embora escondido por trás daquelas bisarmas, oferece motivos que bastem para aliciar a uma visita, dotado como está de adequados equipamentos para bons instantes de lazer. Aliás, como que envergonhadas do seu descomunal volume, as bisarmas deixaram medrar árvores e plantas nos interstícios, aliciaram o passante com o bonito jardim fronteiro e possibilitaram aquela fresca entrada para o parque propriamente dito. Todavia, ainda se mantém parcialmente encoberto por painéis publicitários o bosque de dragoeiros, único em Portugal, uma jóia que a burocracia camarária ainda não logrou mostrar na sua plenitude, apesar dos sucessivos apelos.
            Mas há mais, nesta zona ocidental cascalense! Ainda no perímetro da vila, o Parque do Outeiro da Vela e o Parque Urbano da Ribeira dos Mochos, junto ao Bairro do Rosário. Deste se concretizou já a continuação, ainda sem nome próprio (‘Parque Urbano da Pampilheira’, porque não?), entre a Avenida Raul Solnado e a Rua Gomes Leal – e ficou bem esse vale, nicho ecológico de muita passarada.
            Para nascente, outro vale existe, o da Ribeira das Vinhas e também ele foi arranjado com passadiços até quase à 3ª circular. O Município vai aceitar a doação duma azenha e será bem agradável, daqui a uns tempos, continuarmos a passear por esse leito e vermos, de vez em quando, se tal for possível, a azenha a funcionar.

Um parque mui diferente
            A plataforma sobre o Rio Marmeleiro, em Murches, onde funcionou o campo de tiro aos pratos, foi judiciosamente aproveitada para se criar o Parque Urbano Penhas do Marmeleiro.
            Nome bem dado:
            1º) Porque, lá ao fundo, corre o leito do «Rio» Marmeleiro, nome do curso de água que terá, a jusante, a (mais conhecida) designação de Ribeira das Vinhas, atrás referida. Foi a abundância de marmeleiros que medram nas suas margens que lhe justificou o nome.
          2º) Porque a vista que dali se abarca se estende penedias além, em graciosa cadência de sucessivas colinas.
            Há simpático parque para a pequenada brincar, inclusive «aos índios e aos cowboys, porque se construiu, para o efeito, um castelo amuralhado!... Contudo, o aliciante será, sem dúvida, não resistir à tentação de ir por aí fora, pelos coleantes passadiços a proporcionarem inesperados ângulos de visão, em atmosfera sem ruídos e pejada de bem selvagens fragrâncias.
            De «matos» se falou no título. É verdade. Mato é essa infindável variedade agreste, livre, espontânea de arbustos rasteiros, ricos em tonalidades, poiso predilecto do pássaros que por ali esvoaçam satisfeitos, aí nidificam e se alimentam. Tojos, madressilvas, carrascos e suas bolotas, troviscos e suas bagas vistosas, silvas a oferecerem amoras no seu tempo, murtinhos de acres frutinhos azuis, zimbros a sonharem com a possibilidade de os seus frutos virem a aromatizar uma boa aguardente ou a confeccionar seleccionado perfume… Todos ali serenamente convivem, oferecendo a sua singular beleza a quem a souber apreciar.
            E as flores? Ele são lírios roxos e o amarelo dos montes, orquídeas, as campainhas amarelas, a erva mosca, as bocas de lobo, as alcachofras, as margaridas do monte!… E as ervas aromáticas – como a nêveda (ou erva-das-azeitonas), os orégãos, o funcho?...
          Não, não estou a inventar! Apenas respiguei alguns nomes (dos meus mais conhecidos) do extensíssimo rol de plantas que constituem «a composição florística dos carrascais», apresentada pelo professor catedrático do Instituo Superior de Agronomia, Doutor João de Carvalho e Vasconcellos, no livro Vegetação Natural do Concelho de Cascais, páginas 12 a 16, bem densas!... Uma das preciosidades bibliográficas que integra a – nunca por de mais abençoada! – colecção do VI Centenário da Vila de Cascais, editada pela Câmara Municipal em 1964.
            Amiúde se pensa, aquando dum incêndio: «Ardeu só mato. Não houve problema de maior!». Sim, é verdade: esta vegetação espontânea tem alma para depressa se recuperar; no entanto, é com essas devastadoras chamas que um manto ímpar num ápice se esvai, um equilíbrio da biodiversidade que assim desesperadamente fenece e que mereceria, decerto, estudos mais aprofundados.
            Visitar sem pressas as Penhas do Marmeleiro, a respeitar o silêncio envolvente, puro bálsamo para a velocidade em que se nos desgastam os dias.

                                               José d’Encarnação

Publicado em Duas Linhas, 5 de Junho de 2021: https://duaslinhas.pt/2021/06/por-esses-matos-alem/

 

O forte para as guerras de índios e "cowboys"...
Panorâmica sobre o parque infantil
E o dorso ondulado da Serra de Sintra ao fundo...
Os desastrosos efeitos do incêndio de 2015

                             

2 comentários:

  1. Ler este belíssimo texto foi quase como respirar o ar puro do campo, a cabeça feita um bloco de notas para reter a variedade da flora. Não conheço este Parque, apesar de ter andado por perto, mas está agendadíssima uma visita já no próximo fim-de-semana. E quanto ao roteiro dos parques do concelho, muito oportuno para que m quiser conhecer.

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