sexta-feira, 27 de maio de 2022

Sabão azul e branco

           Decerto como eu muita gente terá achado piada ao facto de, logo no início da pandemia, prontamente se ter dado a sugestão de lavar as mãos com sabão azul e branco. Uma velharia, éramos capazes de pensar, a que ora de novo se queria recorrer, por se haver reconhecido o seu valor.
            Tínhamos, de facto, em casa sabão azul e branco. Aliás, julgo que foi produto que por aqui nunca faltou. De resto, a minha convivência com ele vem desde criança. Nas décadas de 40 a 60, trabalhavam nas pedreiras de Cascais homens solteiros vindos das Beiras, do Alentejo e do Algarve. Minha mãe, que sempre conheci a trabalhar em lides complementares das domésticas, era uma das mulheres a quem eles pagavam para lhes tratar da roupa. E era com sabão azul e branco que a Maria dos Santos esfregava as calças de ganga, as camisas de flanela, as camisetas de algodão, os peúgos de linha…
A parafernália dos produtos de limpeza...
             
            Tive há dias uma rotura na canalização da cozinha. Foi necessário retirar tudo quanto se guardava sob o guarda-loiça e pasmei! Cerca de cinquenta embalagem de lá saíram! De lixívias várias, amaciadores para a roupa de cor e para a roupa branca, detergentes com as mais diversas finalidades… 46 embalagens contei eu! E lembrei-me das virtudes do sabão azul e branco, que ele, sozinho, amaciava e erradicava fortes sujidades da roupa branca e da roupa de cor, manuseado a preceito pelas mãos de minha mãe.
            As ideias foram-se atropelando, vertiginosas, enquanto preparava o telemóvel para fotografar todo aquele arsenal de limpeza, de cuja existência só agora, vendo-o assim reunido à luz do dia, eu tomava plena consciência. Ai, o meu rico sabão azul e branco! E a todas se sobrepunham as do lixo que o Miguel Lacerda e o seu esquadrão da Associação Ambiental CASCAISEA amiúde mostram, depois de mais uma campanha de limpeza na costa. E aqueloutra, também frequentemente chamada à colação, em que as embalagens de plástico são já como uma ilha no meio do oceano…
Vogando, suave, no mar de Cascais...
 
... enquanto mão caridosa a não liberta do mar!...
            Vivemos melhor. «Pronto a usar», «desinfectante de tecidos» «desinfectante mãos», «desinfectante superfícies», «eficaz contra bactérias e fungos»… Uma infinidade! Diante das prateleiras do supermercado, perdemos minutos a ler, a observar… «Será melhor este ou aquele?», «Deixa-me ler», «Quanto  custa?», «Ah este é para as lãs e o algodão»… Sim, descobriram mil formas de nos facilitar a vida. Facilitarão?
Ah! meu abençoado sabão azul e branco!

                                               José d’Encarnação

Publicado em Duas Linhas, 22-05-2022: https://duaslinhas.pt/2022/05/sabao-azul-e-branco/

1 comentário:

  1. Gostei muito de ler este texto. A última imagem é sinal do lamentável desrespeito de tantas pessoas pelo ambiente. No que diz respeito aos sabão e sabonetes, conheço alguém que também esconde sempre umas barras de sabão azul, rosa e branco...E também guarda a "parafernália" de artigos de limpeza, embora não use qualquer deles... Acumulação desnecessária. E a propósito disso lembro-me do período em que visitei o estado de Goa, na Índia, e num complexo residencial de Pangim me disseram que mandasse toda a roupa para a lavandaria. Que além de muito barato, viria tudo impecável. Confirmei que era verdade...Por haver pouca água (foi a explicação que me deram) toda a gente utilizava o serviço das lavandarias. Impecáveis em asseio, imperturbáveis, é o mínimo que posso dizer para qualificar a aparência de homens, mulheres e crianças com quem me cruzei. Talvez a ausência dessa preocupação seja um dos motivos para tanta serenidade...

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