quinta-feira, 6 de maio de 2010

A factura da electricidade

Na edição do passado dia 20 de Abril, Rui Rama da Silva manifestava a sua surpresa por ter recebido a factura da electricidade com um quantitativo invulgarmente alto. Claro que relacionou esse facto com os chorudos prémios atribuídos aos gestores da EDP – empresa pública – por terem ultrapassado os objectivos, ou seja, por haverem conseguido mais lucros que os esperados. Obviamente que o comentário do Povo não poderia ser outro: «Assim também nós, os comuns mortais, conseguíamos! Basta obter autorização para engordar a factura!...».
No meu caso, também fiquei, naturalmente, surpreendido e vieram-me à mente todos aqueles palavrões adequados à circunstância, mormente quando, em letras miudinhas, vi que se explicitava que os 119,99 euros da factura de Abril incluíam «os custos relativos ao uso das redes e os custos de interesse económico geral que decorrem de medidas de política energética, no valor de € 71,14 (Valor independente do comercializador de energia eléctrica)». Ou seja, ainda que eu não perceba lá muito bem a frase: a EDP deixou de ter o monopólio do fornecimento de energia eléctrica e, por isso, independentemente de nós continuarmos a ser seus clientes, temos de pagar a ligação à rede, qualquer que seja o comercializador. É assim?
E perguntei-me: «Que tenho eu a ver com isso?». Quem tem de pagar essa ligação – isto é, se bem compreendo, a possibilidade de um operador usar a rede já estendida pela EDP – é o consumidor? Não seria essa empresa? Não percebo.
O que percebo é que oficialmente se proclama que se não aumentam impostos. Nem é preciso! Basta ir à factura da electricidade, do telefone, da água – bens essenciais que o Estado tem obrigação de facultar a preço justo aos seus contribuintes (que para isso pagamos impostos) – e acrescentar-lhe lá umas quantas alcavalas. Assim, como quem não quer a coisa e o Zé Povinho que se dane.
Dizia, com a graça que o caracteriza, Jô Soares: «Olá, estão mexendo no meu bolso!».
Oh se estão, Jô! E muito! O que eles não percebem, coitados, é que esses bolsos estão já bem delidos e não têm nada dentro! E quando apenas os bolsos dos senhores gestores tiverem recheio, haverá multidão de bolsos vazios ou… nem bolsos haverá! E quem estudou História sabe o que isso significa.

Publicado no Jornal de Cascais, nº 218, 04-05-2010, p. 4.

1 comentário:

  1. Caro Professor José d'Encarnação, parafraseando a canção do Fanhais, vemos ouvimos e lemos... e mal podemos acreditar, digo eu.

    Estranhos desígnios estes do deus Mercado. Estranhos nos resultados óbvios, ainda que óbvios nos resultados estranhos...
    Como sabe, caríssimo Professor, estou actualmente, muito longe desta «área de negócio» pelo que até a mim, geralmente informado e interessado, me causa profunda estranheza o que relata... e não disponho de salvaguarda argumentativa, pois deparei com o diáfano manto de invocada ignorância, também por parte de um ou outro colegas contactados.

    Não é de ontem nem de hoje que a promiscuidade Estado-EDP (e outras...) faculta ou promove o assalto à bolsa do cliente sempre que as cabeças pensadoras decidem meter-se em aventuras. O cliente paga-as, o risco nem chega a existir, o sucesso do negócio está assegurado.

    Lógica iníqua que a «privatização» de empresas como a EDP - que não é já empresa pública há uns bons anitos, permita-me a correcção - tornará, porventura, ainda mais escandalosas. O estado detém aqui apenas a tal «golden share» que abre portas a este mundo e ao outro.

    Entretanto, desconheço, de facto, de onde vem essa, aparentemente óbvia, arbitrariedade. Para as primeiras impressões diria tratar-se de caso de polícia. Mas há, também, um provedor de ética na EDP, um outro provedor do cliente, aos quais se poderá questionar tudo e mais alguma coisa. Pelo caminho - e mesmo apesar das dificuldades congénitas e consabidas - há a DECO... e os tribunais.

    Claro que devemos admitir que a decisão terá adequado suporte regulamentar - é assim que tudo se passa neste ameno Portugal. Mas, ainda assim, se ao cidadão restar, tão só, o questionar, que se questione.

    Entretanto, se eu apurar algum esclarecimento sobre o assunto, voltaremos à conversa.

    Um forte abraço.

    Jorge Castro

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