quarta-feira, 24 de abril de 2013

A dar-lhes… forte e feio!

            Já se não acredita que haja por este jardim à beira-mar plantado o regime (se calhar, utópico!) designado «democracia», mormente no que ele implica de liberdade de expressão, sem medos. Contudo, uma máxima acabou por lograr ser posta em prática, fugindo às malhas, mesmo quando elas se confeccionavam bem apertadas: a de que é rindo que se castigam os costumes!
            Acredita-se, aliás, que também há certa conveniência em fazer de conta, dar alguma linha, como faz o pescador quando o peixe pica: deixa-o sossegado três segundos e… puxa rápido, para o apanhar desprevenido!
            Estreada a 17 de Janeiro de 1879, a sátira em forma de peça teatral chamada Viagem à roda da Parvónia, rezam as crónicas que logo aquando da representação houve pateada monumental, espectadores que se envolveram em cenas de pancadaria e tudo isso foi também um bom pretexto para o senhor comissário geral da Polícia Civil de Lisboa, Cristóvão Pedro de Morais Sarmento, mandar executar de imediato as ordens de Sua Excelência o Senhor Governador Civil: que se intime a Empresa do Teatro do Ginásio e retirar a peça de cena, já!
            E porquê?
            Porque – então como hoje – são bem nossas conhecidas as personagens que vão perpassando diante de nós, ainda que usando guarda-roupa excêntrico a condizer com a sua função (grande abraço de parabéns, Fernando Alvarez!): ele é o cauteleiro, o judeu errante, este político, aquele político, este eleitor, aquele eleitor (se bêbado ainda melhor, porque de fala mais desbragada e feroz…), o accionista, o banqueiro, o candidato, o cego, o maneta, o que anda de gatas, o que tem muletas… Alto aí! Isso é um palco ou corredor de serviço de urgência hospitalar? É. Uma coisa e outra. O pior é que não há médicos por perto. Uma fada, um D. Quixote, o ministro da reinação, o lírico, o satânico, a princesa Ratazana… servirão? Não servem.
            E, de retrato em retrato, vamos rindo, vamos sentindo na pele o que ali em tom jocoso (só aparentemente jocoso, diga-se) vigorosamente se retrata, sem pudor. Porque não havia pudor. Sim, escrevi «havia», porque a peça foi escrita por um tal de Gil Vaz, pseudónimo (veio a saber-se) de Guerra Junqueiro e Guilherme de Azevedo, uns trastes, uns desbocados, uns tipos malcriados que não respeitavam a ordem estabelecida, que eram capazes de pôr o destemido candidato a um lugar político a envergar traje cheio de bolsos donde podia ir tirando tudo o que eram prebendas (promessas!...) para quem se dispusesse a apoiá-lo!...
            Escreve Miguel Graça, no programa, o texto «Portugal hoje, o mesmo de amanhã», que também merece aplauso e, sobretudo, leitura mui atenta. A Miguel Graça se devem a versão e a dramaturgia da peça que Carlos Avilez superiormente encenou e os actores magníficos (António Marques, Diogo Martins, Fernanda Neves, Guido Rodrigues, Luiz Rizo, Paula Sá, Pedro Caeiro, Raquel Oliveira, Renato Pino, Sérgio Silva, Teresa Côrte-Real), que versatilmente se desdobram nos papéis, tão bem sabem interpretar. Observa Miguel Graça (note-se: é a propósito da peça, não é texto literário ou guião para um qualquer comentador político…):
            «A nossa aversão à mudança será sempre inversamente proporcional à competência de quem nos governa, governou e há-de governar».
            E constata, com amargura:
            «Simplesmente já não temos a verve do final do século XIX para nos expressarmos com o mesmo humor e ironia ou, se calhar, estamos demasiado cansados para o fazer».
            E continua:
            «Mandam-nos emigrar, mas talvez seja mais correcto assumir que devíamos todos optar pelo exílio». […] Temos de nos perguntar se conseguimos abandonar a Parvónia antes que ela se apodere de nós».
            Rimo-nos. Rimo-nos muito. Sátira é, quase opereta, a que a divertida música original de Luís Pedro Fonseca e a ajustada coreografia de Paulo Jesus emprestam maior sabor!
            É, porém, um riso bem amargo, oh! se é!...
            E surgem-me de novo, inexoráveis, as palavras de Gustave Le Bon, no seu A Psicologia das Multidões, publicado em 1895, por conseguinte não muito tempo depois desta Viagem à roda da Parvónia:
            «O programa escrito do candidato não deve ser muito categórico, pois os seus adversários poderiam mais tarde atacá-lo com base nesse facto; mas o programa verbal nunca é exagerado. Podem prometer-se sem receio as mais amplas reformas, No momento, os exageros produzem bastante efeito e não comprometem o futuro. O eleitor não se preocupa nada em saber se o eleito obedeceu a profissão de fé aplaudida e à qual deve a vitória. […] O candidato que consegue descobrir uma fórmula nova, bastante destituída de significado preciso, e, por consequência, adaptável às mais diversas aspirações, obtém um sucesso infalível».

            Estreada no sábado, 13 de Abril deste ano da graça de 2013, no Teatro Municipal Mirita Casimiro, ao Monte Estoril, pela companhia do Teatro Experimental de Cascais, Viagem à roda da Parvónia estará em cena – até 26 de Maio – de quarta a sábado às 21h30, ao domingo às 16h00 (tel. 214 670 320).
            A não perder! Para ver se acordamos de vez!

Publicado em Cyberjornal, 2013-04-22:

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