sexta-feira, 15 de janeiro de 2016

Todo encorcado…

            – Toma lá uma escaidinha de uvas, homem, para te animares! E olha que estas não estão abolecidas e até te ajudam a espairecer! Estás-me praí todo encorcado, que até me pareces um cocharro!...
            – Nem sei que tenho, moço, com este tempo que nunca mais se ajeita às estações e varia como cata-vento em dia de temporal! Anda-me aqui uma pontada nas costas, que eu até desconfio que será mancha nos pulmões!... Mas venha lá essa esgalhinha, que sempre me entretenho a comer!
            Conversa de anciãos, em que as maleitas não podem deixar de ser tema, quer faça sol ou nos entre um gelo pelos ossos adentro…
            E chamou-me a atenção o «encorcado». Reza um dos meus dicionários que é provincianismo algarvio e que deriva do verbo ‘corcar’, aí apresentado, por sinal, como termo da construção em Lisboa e que Leite de Vasconcelos (possivelmente ele, eu não consegui aceder ao volume) terá registado na Revista Lusitana, volume VII (1902), p. 116. E o significado de corcar é ‘empenar’, ‘entortar’. Equivaleria, pois, a dizer: «Estás praí todo empenado», «todo torto» – e esse é, de facto, o sentido com que se usa.
            Não hesitaria, por conseguinte, a ver aqui mais uma relação entre o Algarve e a zona de Lisboa, através de gente que de cá foi para lá, a trabalhar na construção. E, nesses tempos, andar encorcado sob o peso dos baldes de massa, por exemplo, seria posição habitual!… Oh se era!...

                                                    José d’Encarnação

Publicado em VilAdentro [S. Brás de Alportel] nº 204, Janeiro de 2016, p. 10.

1 comentário:

  1. De: CARLOS FABIÃO
    sexta-feira, 15 de Janeiro de 2016 17:03
    Caríssimo Professor José d'Encarnação, não mais deixe de conferir o que disse José Leite de Vasconcellos nas páginas da revista Lusitana. A dita e muito mais do Mestre está disponível em linha, no Camões Virtual:
    http://cvc.instituto-camoes.pt/conhecer/biblioteca-digital-camoes/etnologia-etnografia-tradicoes.html

    Agradeço ao Doutor C. Fabião esta informação, a partir da qual pude, de facto, aceder ao volume (eu fizera tentativas mas a partir da página da Biblioteca Nacional...). A referência a 'corcar' e 'encorcar' vem na aludida página, dentro do artigo "dialectos algarvios (linguagem do Barlavento)" e o significado que aí se apresenta é «curvar-se a madeira e mesmo certos metais, por efeito de retracção».

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