quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016

Estudada a villa romana de Freiria

       O estudo arqueológico da villa romana de Freiria, em S. Domingos de Rana, foi apresentado, no passado dia 25 de Janeiro, na Universidade da Extremadura (Cáceres), como tese de doutoramento de Guilherme Cardoso, e mereceu aprovação, por unanimidade, com a nota de «sobresaliente» (muito bom).
      Regozijamo-nos, naturalmente, com o facto de, assim, passarem a estar disponíveis para a comunidade científica, designadamente para os que se dedicam ao estudo dos tempos romanos neste Ocidente europeu, os resultados de largos anos de investigação num sítio deveras notável.
      As campanhas de escavação em Freiria iniciaram-se em 1985 e continuaram, anualmente, durante uma quinzena no Verão, até ao ano de 2002. Desde esse ano que os trabalhos arqueológicos propriamente ditos estão suspensos, porque se aguarda a concretização, por parte da Câmara, do Plano de Pormenor superiormente aprovado. No Orçamento Participativo de 2015 foi incluída uma proposta que visava, além de cuidada limpeza das estruturas, a execução de medidas que viessem a proporcionar à população (designadamente à escolar) melhor usufruto e compreensão do significado daquelas pedras (sem dúvida, estranho para a maioria das pessoas). Não houve votação bastante para ser aprovado e, por conseguinte, aguardam-se melhores dias.

O significado das pedras
      A investigação de Guilherme Cardoso mostrou quanto esta casa de campo romana detinha de singular no conjunto de estruturas idênticas encontradas no território português.
      O sítio foi lavrado durante séculos e, por isso, o que nos resta constitui a parte desses muros que ficavam mais fundo e o arado não destruiu. A experiência dos arqueólogos logra, contudo, como não podia deixar de ser, identificar funcionalidades e, por isso, sabe-se que, além da casa do senhor, disposta em torno de um agradável pátio com refrescantes espelhos de água, se identificou o lagar de azeite, balneários, o celeiro (este, um achado excepcional!) e, até, do outro lado do ribeiro, a necrópole com as suas sepulturas… Enfim, se compararmos com um monte alentejano, ali está tudo aquilo de que necessitava uma importante exploração rural.
      E, claro, para além das estruturas arquitectónicas, como ali viveram pessoas durante quase cinco séculos, há fragmentos de objectos – de cerâmica, de osso, de metal… – que, devidamente estudados, dão conta de como ali se vivia há dois mil anos.

Sintomas de bom índice cultural
      Antes de se instalar, o chefe da família que achou o local adequado para viver – atendendo à qualidade do solo, às boas condições climatéricas e, de modo especial, ao ribeiro de águas perenes que lhe passava ao pé – fez a sua prece à divindade que, em seu entender, o protegia. E foi essa uma das primeiras surpresas dos arqueólogos: o altar por ele – Tito Curiácio Rufino – dedicado, como ex-voto, a Triborunnis, uma divindade que não pertencia ao panteão romano, mas sim, naturalmente, ao panteão dos indígenas que por ali habitavam.
      Hoje, 30 anos passados sobre a descoberta, este altar é citado em todos os livros que tratam da religião indígena peninsular, pela sua singularidade e por o dedicante ostentar nomes que denotam a sua origem itálica. Quiçá este aspecto bastasse para que Freiria fosse mais considerada entre nós!...
      Há, no entanto, dois outros achados que mostram a cultura das gentes que viveram em Freiria.
     O primeiro, uma estranha escultura de pedra que mostra a cabeça de um animal. Os investigadores que sobre ela se têm debruçado consideram-na passível de se atribuir ao estrato populacional (digamos assim) que precedeu a vinda dos Romanos, nos últimos tempos da Pré-História. E coincidem em atribuir-lhe, pela forma, a função de representar protecção, pois poderia ter sido colocada em eventual portão da ‘villa’.
      O segundo é um quadrante solar de pedra, que foi expressamente feito para o local. Servia para regular as horas do dia. E se esta afirmação pode ser vista como banal e desnecessária, não o é na verdade, porque a sensibilidade ao tempo – que ora obrigatoriamente nos está ‘na pele’ – não é assim tão frequente em eras recuadas e, no que diz respeito aos Romanos, o achado de quadrantes não é comum. Era, pois, intenção dos proprietários da ‘villa’ que houvesse já uma organização – e também este é um bom sintoma de assaz significativo índice cultural.

                         José d’Encarnação


Publicado em Costa do Sol Jornal, nº 127, 17-02-2016, p. 6.

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