Regozijamo-nos,
naturalmente, com o facto de, assim, passarem a estar disponíveis para a
comunidade científica, designadamente para os que se dedicam ao estudo dos tempos
romanos neste Ocidente europeu, os resultados de largos anos de investigação num sítio deveras notável.
As
campanhas de escavação em Freiria iniciaram-se
em 1985 e continuaram, anualmente, durante uma quinzena no Verão, até ao ano de
2002. Desde esse ano que os trabalhos arqueológicos propriamente ditos estão
suspensos, porque se aguarda a concretização ,
por parte da Câmara, do Plano de Pormenor superiormente aprovado. No Orçamento Participativo
de 2015 foi incluída uma proposta que visava, além de cuidada limpeza das
estruturas, a execução de medidas
que viessem a proporcionar à população
(designadamente à escolar) melhor usufruto e compreensão do significado
daquelas pedras (sem dúvida, estranho para a maioria das pessoas). Não houve
votação bastante para ser aprovado e,
por conseguinte, aguardam-se melhores dias.
O significado das pedras
A investigação de Guilherme Cardoso mostrou quanto esta casa de
campo romana detinha de singular no conjunto de estruturas idênticas
encontradas no território português.
O
sítio foi lavrado durante séculos e, por isso, o que nos resta constitui a
parte desses muros que ficavam mais fundo e o arado não destruiu. A experiência
dos arqueólogos logra, contudo, como não podia deixar de ser, identificar
funcionalidades e, por isso, sabe-se que, além da casa do senhor, disposta em
torno de um agradável pátio com refrescantes espelhos de água, se identificou o
lagar de azeite, balneários, o celeiro (este, um achado excepcional!) e, até,
do outro lado do ribeiro, a necrópole com as suas sepulturas… Enfim, se
compararmos com um monte alentejano, ali está tudo aquilo de que necessitava
uma importante exploração rural.
E,
claro, para além das estruturas arquitectónicas, como ali viveram pessoas
durante quase cinco séculos, há fragmentos de objectos – de cerâmica, de osso,
de metal… – que, devidamente estudados, dão conta de como ali se vivia há dois
mil anos.
Sintomas de bom índice cultural
Antes de se instalar, o
chefe da família que achou o local adequado para viver – atendendo à qualidade
do solo, às boas condições climatéricas e, de modo especial, ao ribeiro de
águas perenes que lhe passava ao pé – fez a sua prece à divindade que, em seu
entender, o protegia. E foi essa uma das primeiras surpresas dos arqueólogos: o
altar por ele – Tito Curiácio Rufino – dedicado, como ex-voto, a Triborunnis, uma
divindade que não pertencia ao panteão romano, mas sim, naturalmente, ao panteão
dos indígenas que por ali habitavam.
Hoje,
30 anos passados sobre a descoberta, este altar é citado em todos os livros que
tratam da religião indígena peninsular, pela sua singularidade e por o
dedicante ostentar nomes que denotam a sua origem itálica. Quiçá este aspecto
bastasse para que Freiria fosse mais considerada entre nós!...
Há,
no entanto, dois outros achados que mostram a cultura das gentes que viveram em
Freiria.
O
primeiro, uma estranha escultura de pedra que mostra a cabeça de um animal. Os
investigadores que sobre ela se têm debruçado consideram-na passível de se
atribuir ao estrato populacional (digamos assim) que precedeu a vinda dos
Romanos, nos últimos tempos da Pré-História. E coincidem em atribuir-lhe, pela
forma, a função de representar
protecção , pois poderia ter sido
colocada em eventual portão da ‘villa’.
O
segundo é um quadrante solar de pedra, que foi expressamente feito para o
local. Servia para regular as horas do dia. E se esta afirmação pode ser vista como banal e desnecessária, não o
é na verdade, porque a sensibilidade ao tempo – que ora obrigatoriamente nos
está ‘na pele’ – não é assim tão frequente em eras recuadas e, no que diz
respeito aos Romanos, o achado de quadrantes não é comum. Era, pois, intenção dos proprietários da ‘villa’ que houvesse já uma
organização – e também este é um bom
sintoma de assaz significativo índice cultural.
José d’Encarnação
Publicado em Costa do Sol Jornal, nº 127, 17-02-2016, p. 6.
Sem comentários:
Enviar um comentário