«Filho
do sector rural, famílias de fracos recursos, completou a quarta classe da
instrução primária no dia 22 de Junho de 1942, com aproveitamento. Como todas
as crianças daqueles tempos, seguiu para o campo para guardar gado».
Capa do livro «O Alentejano» |
Estas,
algumas das linhas com que desejou apresentar-se, em jeito de mui sintética
autobiografia (p. 111-112), no livro de poemas O Alentejano, publicado pela Associação Cultural de Cascais, com o
apoio das juntas de freguesia de S. Domingos de Rana e de Santo Aleixo da
Restauração, assim como da Câmara Municipal de Oeiras, concelho onde residia.
Aí,
depois de dar conta dos empregos que foi tendo (na agricultura pelo Alentejo,
na Fundição de Oeiras e na Autosil) até se desempregar e ir para a reforma em
Novembro de 1991, confessa:
«Sempre
sonhei com poesia e na perspectiva de que a minha obra não ficasse fechada numa
gaveta»… essas «rimas com que fui espairecendo vida fora».
O
livro O Alentejano cumpriu, pois, em
parte, esse desejo e também em Cinzelar
as Palavras como as Pedras… em S. Domingos de Rana (Cascais, 2009) acabámos
por incluir mais alguns dos seus poemas (p. 53-67), todos eles eivados deste
fresco sabor alentejano, que olha a realidade com olhos de ver:
Só
tenho a quarta classe
No meio onde fui criado
Para que mais longe chegasse
Não pude ser educado.
Mas:
Há
por esse mundo inteiro
Que nem dá para os contar
Tanto burro em engenheiro
E tanto sábio a mendigar. (p.
112 de O Alentejano)
14-07-2000. Apresentação do livro «O Alentejano». Manuel Afonso Gaspar trajado à moda do grupo Estrelas do Guadiana |
A
apresentação do primeiro livro realizou-se com solenidade no auditório da Junta
de Freguesia de S. Domingos de Rana, ao final da tarde de 14 de Julho de 2000,
tendo contado com a actuação do Coral Alentejano «Estrelas do Guadiana », em que Manuel Afonso Gaspar se integrava. A apresentação
esteve a cargo do Dr. Carlos Carranca, que realçou o interesse genuíno dos
versos do Carola. Por feliz coincidência, estava então patente nesse auditório uma
exposição documental sobre a colecção de Michel Giacometti, o homem que tanto
se empenhou também para salvaguardar as lídimas manifestações dos cantares do nosso
Povo.
Realce-se
que o Jornal da Região, na sua edição
de Oeiras de 12 de Outubro de 2000, incluiu Manuel Afonso Gaspar na rubrica
«Pessoas»: «Veio viver para Oeiras há 36 anos e empregou-se como metalúrgico,
só se começando a dedicar mais a sério à poesia quando chegou a altura da
reforma. No entanto, já antes tinha obtido um primeiro lugar num concurso de quadras
populares, em Aljustrel. No passado mês de Julho, viu concretizado o seu sonho,
com a publicação do seu primeiro livro de poemas».
Escrevi,
no final da Apresentação do livro: «Manuel Afonso Gaspar conta como foi e como
é. No jeito simples de quem, na adiafa, atira rimas ao ar – dolorosamente
pensadas, genuinamente vividas» (p. 5).
Aos
85 anos, o coração achou que devia deixar de bater – e o Carola partiu, pouco
mais de duas semanas de ter visto partir sua filha de apenas 50 anos, o que
deveras o abalou. Fica-nos, porém, o encanto das suas rimas:
Andei
descalço na vida,
Sem possuir um vintém.
Sempre de cabeça erguida,
Não devo nada a ninguém! (p. 43)
Que
descanse em paz! Ao filho, Luís, ao seu genro e nora e demais família apresentamos
sentidos pêsames, na certeza de que, mui provavelmente, Santo Aleixo da
Restauração também o não esquecerá:
Não
sou poeta afamado
Dos que há em Portugal,
Mas sempre serei lembrado
Na minha terra natal. (p. 51)
José d’Encarnação
Um homem bom, que tive o gosto de conhecer. Inesquecível uma viagem a Barcelona para cantar num Festival dedicado à Voz em que 5 alentejanos brilharam no Orfeu LLeidata, a mais linda sala de estectáculos da CAtalunha. Dessa viagem temos gravações e fotografias.
ResponderEliminarEternamente grato pela menção (bastante) honrosa a meu pai.
ResponderEliminarEm poucos dias, vermos partir a nossa família de criação, é inominável… "resta-nos" a família que nós criamos, que nos vale, nos faz reerguer e continuar!
Ver partir o "meu alentejaninho" (como eu carinhosamente lhe chamava!) foi ver partir um pai extremoso mas também um poeta popular de enorme talento e prolificidade. Todos os dias criava a singularidade, fosse em forma de verso, quadra, poesia ou moda alentejana… até ao derradeiro dia da sua proveitosa vida.
Originário do Alentejo mais profundo e raiano era: autor, compositor, cantor e músico autodidata; foi excelente em todas estas artes. Parte do seu trabalho integra o "cancioneiro popular" - sendo disso exemplo a belíssima moda de sua autoria "É LINDO NA PRIMAVERA" (considerada como "tradicional"), cantada por todo o Portugal. Por onde passou, semeou a sua arte… A sua obra continua viva!
Quero acreditar que foi por almas como a do grande "Carola" que o cante alentejano mereceu a distinção de património cultural imaterial da humanidade.
Que os seus versos sejam declamados, que as suas modas sejam entoadas, que a sua vida seja celebrada! VIVA, QUERIDO PAI.