domingo, 7 de fevereiro de 2016

Faleceu o «Carola», poeta popular

              Faleceu no passado dia 25 de Janeiro, poucos dias antes de completar 85 anos, Manuel Afonso Gaspar, o «Carola». Nascera a 6 de Fevereiro de 1931, em Santo Aleixo da Restauração, concelho de Moura.
            «Filho do sector rural, famílias de fracos recursos, completou a quarta classe da instrução primária no dia 22 de Junho de 1942, com aproveitamento. Como todas as crianças daqueles tempos, seguiu para o campo para guardar gado».
Capa do livro «O Alentejano»
            Estas, algumas das linhas com que desejou apresentar-se, em jeito de mui sintética autobiografia (p. 111-112), no livro de poemas O Alentejano, publicado pela Associação Cultural de Cascais, com o apoio das juntas de freguesia de S. Domingos de Rana e de Santo Aleixo da Restauração, assim como da Câmara Municipal de Oeiras, concelho onde residia.
            Aí, depois de dar conta dos empregos que foi tendo (na agricultura pelo Alentejo, na Fundição de Oeiras e na Autosil) até se desempregar e ir para a reforma em Novembro de 1991, confessa:
            «Sempre sonhei com poesia e na perspectiva de que a minha obra não ficasse fechada numa gaveta»… essas «rimas com que fui espairecendo vida fora».
            O livro O Alentejano cumpriu, pois, em parte, esse desejo e também em Cinzelar as Palavras como as Pedras… em S. Domingos de Rana (Cascais, 2009) acabámos por incluir mais alguns dos seus poemas (p. 53-67), todos eles eivados deste fresco sabor alentejano, que olha a realidade com olhos de ver:
                        Só tenho a quarta classe
                        No meio onde fui criado
                        Para que mais longe chegasse
                        Não pude ser educado.
Mas:
                        Há por esse mundo inteiro
                        Que nem dá para os contar
                        Tanto burro em engenheiro
                        E tanto sábio a mendigar. (p. 112 de O Alentejano)

14-07-2000. Apresentação do livro «O Alentejano».
Manuel Afonso Gaspar trajado à moda do grupo Estrelas do Guadiana
            A apresentação do primeiro livro realizou-se com solenidade no auditório da Junta de Freguesia de S. Domingos de Rana, ao final da tarde de 14 de Julho de 2000, tendo contado com a actuação do Coral Alentejano «Estrelas do Guadiana», em que Manuel Afonso Gaspar se integrava. A apresentação esteve a cargo do Dr. Carlos Carranca, que realçou o interesse genuíno dos versos do Carola. Por feliz coincidência, estava então patente nesse auditório uma exposição documental sobre a colecção de Michel Giacometti, o homem que tanto se empenhou também para salvaguardar as lídimas manifestações dos cantares do nosso Povo.
            Realce-se que o Jornal da Região, na sua edição de Oeiras de 12 de Outubro de 2000, incluiu Manuel Afonso Gaspar na rubrica «Pessoas»: «Veio viver para Oeiras há 36 anos e empregou-se como metalúrgico, só se começando a dedicar mais a sério à poesia quando chegou a altura da reforma. No entanto, já antes tinha obtido um primeiro lugar num concurso de quadras populares, em Aljustrel. No passado mês de Julho, viu concretizado o seu sonho, com a publicação do seu primeiro livro de poemas».
            Escrevi, no final da Apresentação do livro: «Manuel Afonso Gaspar conta como foi e como é. No jeito simples de quem, na adiafa, atira rimas ao ar – dolorosamente pensadas, genuinamente vividas» (p. 5).
            Aos 85 anos, o coração achou que devia deixar de bater – e o Carola partiu, pouco mais de duas semanas de ter visto partir sua filha de apenas 50 anos, o que deveras o abalou. Fica-nos, porém, o encanto das suas rimas:

                        Andei descalço na vida,
                        Sem possuir um vintém.
                        Sempre de cabeça erguida,
                        Não devo nada a ninguém!   (p. 43)

            Que descanse em paz! Ao filho, Luís, ao seu genro e nora e demais família apresentamos sentidos pêsames, na certeza de que, mui provavelmente, Santo Aleixo da Restauração também o não esquecerá:
                        Não sou poeta afamado
                        Dos que há em Portugal,
                        Mas sempre serei lembrado
                        Na minha terra natal. (p. 51)

                                                           José d’Encarnação

2 comentários:

  1. Um homem bom, que tive o gosto de conhecer. Inesquecível uma viagem a Barcelona para cantar num Festival dedicado à Voz em que 5 alentejanos brilharam no Orfeu LLeidata, a mais linda sala de estectáculos da CAtalunha. Dessa viagem temos gravações e fotografias.

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  2. Eternamente grato pela menção (bastante) honrosa a meu pai.
    Em poucos dias, vermos partir a nossa família de criação, é inominável… "resta-nos" a família que nós criamos, que nos vale, nos faz reerguer e continuar!
    Ver partir o "meu alentejaninho" (como eu carinhosamente lhe chamava!) foi ver partir um pai extremoso mas também um poeta popular de enorme talento e prolificidade. Todos os dias criava a singularidade, fosse em forma de verso, quadra, poesia ou moda alentejana… até ao derradeiro dia da sua proveitosa vida.
    Originário do Alentejo mais profundo e raiano era: autor, compositor, cantor e músico autodidata; foi excelente em todas estas artes. Parte do seu trabalho integra o "cancioneiro popular" - sendo disso exemplo a belíssima moda de sua autoria "É LINDO NA PRIMAVERA" (considerada como "tradicional"), cantada por todo o Portugal. Por onde passou, semeou a sua arte… A sua obra continua viva!
    Quero acreditar que foi por almas como a do grande "Carola" que o cante alentejano mereceu a distinção de património cultural imaterial da humanidade.
    Que os seus versos sejam declamados, que as suas modas sejam entoadas, que a sua vida seja celebrada! VIVA, QUERIDO PAI.

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